Thursday, April 03, 2014

Ninfomaníaca - Volume II

Confesso que a divisão de Ninfomaníaca, o projeto mais ambicioso de Lars von Trier, em duas partes me deixou curioso com o efeito que a sua segunda metade causaria em mim. Por ter achado o Volume I um filme extremamente irregular, confundindo desejo com pecado e esquecendo o interessante viés psicanalítico pelo qual a obra poderia abordar o desabrochar da sexualidade e da ninfomania da protagonista Joe, a conclusão da história (mesmo que mutilada na sala de edição) poderia mudar ou solidificar a minha percepção acerca do todo e das intenções do cineasta dinamarquês.

Lamentavelmente, Ninfomaníaca – Volume II não veio para fazer o espectador repensar o que foi visto na primeira metade, exibida nos cinemas em janeiro. Trata-se de um pedaço de trama que vem para ligar os pontos, terminar de desenhar a saga de Joe, e perpetuar a associação da sexualidade com insolência religiosa. E esse ponto de vista moralista, que já estava impregnado na narrativa, é agora exposto através não do didatismo e das metáforas fáceis (que até aparecem, mas em menor intensidade por aqui), mas da falta de sutileza.

Essa tal falta de sutileza de von Trier casa com a sua decisão de relacionar sexo e pecado (em um momento, vemos a imagem da Virgem Maria imediatamente após um personagem confessar ser virgem). Na visão do cineasta, Joe mereceu pagar pelo ser humano ruim que é. Volume II é portanto o calvário da protagonista, que passa por situações que fazem despertar enfim sua humanidade, e não deixa de ser curioso o fato de que uma dessas situações, uma das maiores tristezas da vida que Joe confessa a Seligman, esteja diretamente relacionada à decisão da personagem de frequentar um lugar onde é chicoteada (um dos mais tradicionais castigos bíblicos).

O estranho é que, apesar de ser conhecido por ser um diretor que não tem medo de expor o espectador (e suas atrizes) a cenas chocantes, dessa vez von Trier não parece tão confortável com trabalhar no campo do choque. Sim, pintos são filmados em close, Joe sofre o diabo, e Charlotte Gainsbourg (que se tornou sua musa) tem todas as partes de seu corpo visitadas pela câmera, mas o cineasta parece sempre tentar amenizar tais momentos com as interações da protagonista com Seligman, um personagem que ganha mais camadas e cujas digressões são chacoteadas por Joe, e com os títulos dos capítulos. Um bom humor que não encontra ecos no tom da narrativa e soa deslocado, mas que pelo menos torna Ninfomaníaca muito mais palatável do que os últimos filmes de von Trier.

Infelizmente, acessibilidade não representa qualidade e acurácia, e o longa (acredito que a exibição das duas partes juntas não mudaria muita coisa em relação a isso) acaba saindo da rota, e se tornando uma obra que abraça pontos de vista que deveria discutir (um filme carola que deveria atacar a castração religiosa, e politicamente correto quando deveria ironizar tal conceito). E entre tais desvios, o mais grave parece ter sido dentro da própria filmografia de Lars von Trier, um cineasta extremamente sensível (apesar da crueza e violência de seus trabalhos) e que imprime uma visão feminista em tudo que toca, inclusive tendo mulheres como centros narrativos da maioria de seus filmes.

Por colocar a sexualidade feminina em pauta, Ninfomaníaca deveria ser seu maior libelo em favor da mulher, mas é uma obra que fica o tempo todo perdida, sem saber o que quer. Muito diferente das histórias, e das mulheres, que von Trier costuma filmar.

Nymphomaniac – Volume II, Lars von Trier, 2014 

1 comment:

joao said...

otimo texto, mas gosto muito do filme. e acho joe uma pessoa ruim. nao pelo sexo, mas sim por usar ele pra usar as pessoas

spoiler> acho que no fim ela matou o o outro porque ele ntetou transar com ela e ela usava o sexo pro prazer e pra fazer sofrer e nao queria usar isso com alguem que ela tivesse algum carinho