Confesso que a divisão de Ninfomaníaca, o projeto mais ambicioso
de Lars von Trier, em duas partes me deixou curioso com o efeito que a sua
segunda metade causaria em mim. Por ter achado o Volume I um filme extremamente irregular, confundindo desejo com
pecado e esquecendo o interessante viés psicanalítico pelo qual a obra poderia
abordar o desabrochar da sexualidade e da ninfomania da protagonista Joe, a
conclusão da história (mesmo que mutilada na sala de edição) poderia mudar ou solidificar
a minha percepção acerca do todo e das intenções do cineasta dinamarquês.
Lamentavelmente, Ninfomaníaca – Volume II não veio para fazer o espectador repensar
o que foi visto na primeira metade, exibida nos cinemas em janeiro. Trata-se de
um pedaço de trama que vem para ligar os pontos, terminar de desenhar a saga de Joe, e
perpetuar a associação da sexualidade com insolência religiosa. E esse ponto de vista
moralista, que já estava impregnado na narrativa, é agora exposto através não do
didatismo e das metáforas fáceis (que até aparecem, mas em menor intensidade por
aqui), mas da falta de sutileza.
Essa tal falta de sutileza de von Trier casa
com a sua decisão de relacionar sexo e pecado (em um momento, vemos a imagem da
Virgem Maria imediatamente após um personagem confessar ser virgem). Na visão do cineasta,
Joe mereceu pagar pelo ser humano ruim que é. Volume II é portanto o calvário da protagonista, que passa por
situações que fazem despertar enfim sua humanidade, e não deixa de ser curioso
o fato de que uma dessas situações, uma das maiores tristezas da vida que
Joe confessa a Seligman, esteja diretamente relacionada à decisão da personagem
de frequentar um lugar onde é chicoteada (um dos mais tradicionais castigos
bíblicos).
O estranho é que, apesar de ser
conhecido por ser um diretor que não tem medo de expor o espectador (e suas
atrizes) a cenas chocantes, dessa vez von Trier não parece tão confortável com
trabalhar no campo do choque. Sim, pintos são filmados em close, Joe sofre o
diabo, e Charlotte Gainsbourg (que se tornou sua musa) tem todas as partes de
seu corpo visitadas pela câmera, mas o cineasta parece sempre tentar amenizar
tais momentos com as interações da protagonista com Seligman, um personagem que
ganha mais camadas e cujas digressões são chacoteadas por Joe, e com os títulos
dos capítulos. Um bom humor que não encontra ecos no tom da narrativa e soa
deslocado, mas que pelo menos torna Ninfomaníaca muito mais palatável do que os
últimos filmes de von Trier.
Infelizmente, acessibilidade não
representa qualidade e acurácia, e o longa (acredito que a exibição das duas
partes juntas não mudaria muita coisa em relação a isso) acaba saindo da rota,
e se tornando uma obra que abraça pontos de vista que deveria discutir (um filme
carola que deveria atacar a castração religiosa, e politicamente correto
quando deveria ironizar tal conceito). E entre tais desvios, o mais grave parece
ter sido dentro da própria filmografia de Lars von Trier, um cineasta
extremamente sensível (apesar da crueza e violência de seus trabalhos) e que
imprime uma visão feminista em tudo que toca, inclusive tendo mulheres como
centros narrativos da maioria de seus filmes.
Por colocar a sexualidade feminina em
pauta, Ninfomaníaca deveria ser seu
maior libelo em favor da mulher, mas é uma obra que fica o tempo todo perdida,
sem saber o que quer. Muito diferente das histórias, e das mulheres, que von Trier costuma
filmar.
Nymphomaniac
– Volume II, Lars von Trier, 2014
1 comment:
otimo texto, mas gosto muito do filme. e acho joe uma pessoa ruim. nao pelo sexo, mas sim por usar ele pra usar as pessoas
spoiler> acho que no fim ela matou o o outro porque ele ntetou transar com ela e ela usava o sexo pro prazer e pra fazer sofrer e nao queria usar isso com alguem que ela tivesse algum carinho
Post a Comment