Thursday, May 22, 2014

A Recompensa

Dom Hemingway é um sujeito apaixonado por si próprio. Desde o início, desde que abre a boca pela primeira vez, em um solilóquio sobre os poderes de sua genitália (cuja imponência poderia, entre outras coisas, acabar com a fome na África), o espectador percebe que a) Dom é um crápula egoísta, mas fascinante enquanto personagem e que b) A Recompensa é uma péssima tradução, sem o menor charme do original, que era coerente com a autoafirmação e a crença do protagonista na mitificação a fórceps de seu nome.

Na trama, escrita e dirigida por Richard Sheppard, Dom Hemingway é um talentoso arrombador de cofres que passa 12 anos na cadeia após se recusar a entregar seu empregador para a justiça, o que reduziria bastante pena. Após ser libertado Dom, acompanhado pelo amigo Dickie, vai atrás do mafioso Sr. Fontaine a fim de receber sua recompensa por ter ficado de boca fechada. O problema é que o azar, aliado a um comportamento que o afastou da filha, que se recusa a fazer as pazes, fazem a felicidade ficar cada vez mais distante do anti-herói.

Sheppard embebe seu filme do tom das comédias criminais britânicas. Dá a A Recompensa uma estética que se assemelha aos primeiros filmes de Guy Ritchie, e se destaca por elaborar cenas de humor físico hilárias como o momento em que Dom tenta vencer um moderno cofre, a fim de provar que pode trabalhar para o jovem Lestor Jr. Por ser também autor do roteiro, o cineasta merece aplausos por ser coerente ao conceber visualmente o texto quase tresloucado, e por ter escolhido a dedo Jude Law encarnar o protagonista.

Idealizado com um cruzamento de Begby, de Trainspotting e Bronson de, bem. Bronson, Dom contrasta radicalmente com os protagonistas do galã. Talvez venha daí essa motivação, venha todo o frescor de sua ótima atuação, principalmente na primeira hora de projeção. Em sua reta final, porém, A Recompensa acaba tendo que resolver a subtrama da reconciliação entre o protagonista e a filha (e também com seu passado), um direcionamento da narrativa que buscava humanizar o personagem, mas que retira dele seu ar de alucinado, de longe sua característica mais marcante.

Uma pitada de pé no chão, que quebra o ritmo e abala, apesar de não estragar, a bela comédia de humor negro que se via até então. Um pouco de realismo não faz mal, mas eu preferia continuar vendo Dom naquele mundo de prisões de paredes coloridas e homens que, mesmo com um para-choque atravessado no abdômen, conseguem achar um tempo para baterem um papinho antes de morrerem de vez.

Dom Hemingway, Richard Sheppard, 2013 

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