A
mais fascinante característica de Karim Aïnouz enquanto artista é como seu
cinema se encanta e enxerga beleza na melancolia, geralmente explorada pelo
diretor cearense não só através das histórias que resolve contar, mas da
economia de sua realização nas telas. Hermila chorando com seu prato de macarrão
em O Céu de Suely, e Renato com a
prostituta em Viajo Porque Preciso,
Volto Porque te Amo, para citar apernas dois, são momentos que exemplificam
bem o sentimento de que “menos é mais” na hora de filmar a tristeza.
Por
isso, o tom punk que toma conta do primeiro minuto de Praia do Futuro causa estranhamento. O título aparece em cores
fortíssimas e dois motociclistas são vistos cruzando as areias do ponto
turístico que nomeia o longa. Logo percebemos que a diferença no tom é
fundamental para estabelecer, desde o início, o tema que permeia toda a trama,
escrita em parceria com Felipe Bragança: Praia
do Futuro é um filme sobre a sensação de estar deslocado, de não pertencer
a seu próprio lugar.
O
salva-vidas Donato, o protagonista, carrega dentro de si essa impressão. Após
falhar pela primeira vez em sua carreira ao tentar salvar um banhista do
afogamento, ele acaba se envolvendo com Konrad, amigo da vítima. A conexão
entre os dois faz Donato sair de Fortaleza e ir para Berlim, deixando para trás
a mãe e o irmão caçula Ayrton, com quem tinha forte ligação. Após alguns anos,
porém, o passado bate à porta: Ayrton, agora um jovem adulto e falando um ótimo
alemão, vai para Berlim atrás daquele que fora seu herói.
Donato
saiu do Brasil justamente por causa disso, para viver sua vida na plenitude, ao
invés do que projetam nele (quando criança ele era chamado de Aquaman pelo
caçula). Praia do Futuro lança um
olhar sobre os riscos da idealização, em todos os sentidos. Para escapar desse
endeusamento (que contrastava com o âmago do salva-vidas), o protagonista projeta
em Konrad e na mudança de ares a sua chance de ser feliz mas quando a trama o
reencontra após a elipse ele parece ter percebido que viver não fácil em lugar
algum.
Karim
Aïnouz tem total controle sobre a abordagem do texto e sobre os atores.
Transforma a jornada de Donato em uma experiência contemplativa e de
aprendizado que coloca o espectador para refletir sobre suas próprias escolhas.
Para isso, conta com o trabalho cada vez mais irrepreensível de Wagner Moura e
com Jesuíta Barbosa, que tenta (e quase consegue, em alguns momentos) engolir
todo o resto do elenco com o modo ao mesmo tempo doce e amargurado como ele
compõe Ayrton.
É
da interação entre os dois que Praia do
Futuro tira sua força. Aïnouz toca em temas transversais (o preconceito, a
emigração), mas, ao invés de desenvolvê-los, os utiliza apenas como artifícios
para humanizar ainda mais seus personagens, entendendo que tais digressões
enfraqueceriam ou desviariam o foco dos irmãos e dos seus dramas que nos dizem,
ao fim da projeção, que a vida é uma estrada e que a única escolha opção
possível é seguir em frente, rumo ao futuro, sempre incerto e cercado de
neblina.
Praia do Futuro, Karim Aïnouz, 2014 

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