Clint
Eastwood é, sem dúvida, o maior diretor de filmes americanos das últimas
décadas. Herdeiro direto de cineastas como John Ford e Howard Hawks, sua
filmografia é repleta de trabalhos que fazem crônicas da América, através de
personagens que vivem seus dramas em um país em constante mudança, e que recebe
do cineasta um tratamento quase documental. No cinema de Eastwood, a trajetória
do protagonista é coadjuvante na exposição da nação enquanto entidade viva.
No
que tange o traço de recorte, Jersey
Boys não difere de outros filmes recentes de Eastwood, como o subestimado J. Edgar: é, em seus bem-distribuídos
134 minutos, uma visita a tempos hoje remotos da sociedade norte-americana, no
caso os anos 60 e 70, vistos e vividos pelos protagonistas, o grupo The Four
Seasons (responsáveis por imortalizarem clássicos da música do Século XX como
“Big Girls Don’t Cry” e Walk Like a Man”), em especial o vocalista Frank Valli.
A
trama, adaptada por Marshall Brickman e Rick Elice a partir da peça de imenso sucesso
na Broadway (da qual eles também participaram do processo de criação), conta
nas telas a história da formação e da saga rumo ao sucesso do Four Seasons,
grupo de Nova Jersey liderado por Tommy DeVito que atingiu o topo das paradas
com as composições de Bob Gaudio e a voz de Valli. A Nova Jersey do fim dos
anos 50 e início da década seguinte se torna personagem, interferindo na vida
dos músicos através da proximidade de alguns deles com a máfia local.
Aos
84 anos, o diretor surpreende pela vitalidade no comando ao se aproveitar da
curiosa mistura de The Wonders – O Sonho Não Acabou com Os Bons
Companheiros para conseguir a proeza de subverter o convencional, o usual
de uma narrativa que encontra no cânone do subgênero a que pertence (as
cinebiografias musicais) todas as ferramentas para validarem a sua linearidade.
Em vez de optar por um relato simples, o velho Clint resolve aplicar em Jersey Boys um arrojo procedural (a
quebra da quarta parede pelos componentes do Four Seasons, com a calculada
exceção de Frank Valli) que refresca o estilo, ao lado da segurança do diretor
para mudar o tom da narrativa quando necessário (a dureza da câmera quase estática
e dos planos mais longos na cena da negociação da dívida com Norm Waxman, que
tem resultados catastróficos para o futuro do grupo, em contraponto à leveza
das apresentações da banda e ao número no Rock and Roll Hall of Fame).
Eastwood
merece créditos também pelo modo como escolheu e conduziu o elenco, apostando
em alguns atores que já haviam interpretado os personagens nos palcos (indo na
direção oposta de algumas decisões de Jon Favreau, diretor anteriormente ligado
ao projeto). Erica Piccinini (Lorraine, namorada que o protagonista tem após se
divorciar) e Donnie Kehr (Waxman) reeditam seus papéis dos palcos ao lado de John
Lloyd Young, que assombra com a potência de sua voz e com o seu trabalho para a
composição de Frank Valli, que parece engolir todo o resto do competente elenco
(que conta com poucos nomes conhecidos, entre eles Christopher Walken, que vive
Gyp, mafioso e amigo próximo, quase uma espécie de Padrinho, da banda).
A
fase revisionista do cineasta, que começou no western, solo conhecido, mas que
logo ganhou vida e forma em longas que materializavam nas telas paixões antigas
de Clint (entre elas, uma das mais recorrentes é o jazz), ganha mais uma obra
fantástica. Jersey Boys: Em Busca da
Música é Eastwood em seu estado mais bruto, estudando os limites do gênero
no qual o longa se insere ao mesmo tempo em que faz com que trama e ambientação
se fundam em um retrato da sociedade, desta vez um recorte de uma geração
desolada que encontrava na música e em astros de televisão (objeto através do
qual o espectador vê o Four Seasons se apresentando algumas vezes) um consolo
para a realidade atribulada que seu país vivia no momento.
Clint
Eastwood constrói seu filme em cima da idolatria, mas faz através dela uma ode
a uma página da História que passou com o tempo e que, com seus altos e baixos,
ficou para trás e merece ser lembrada com carinho, como todas as outras
gerações anteriores e posteriores. Não existe outro pensamento quando os
créditos começam a aparecer e o cineasta, pela primeira vez, parece se render e
construir um musical típico. Para uma época de ouro, genuinidade.
Jersey Boys,
Clint Eastwood, 2014 

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