Se
existe algo de fascinante acerca da ficção científica enquanto gênero é a sua
capacidade de suscitar questões morais, políticas e existenciais dentro dos
mais diversos contextos, sem abdicar de uma natureza escapista quando
necessária. Nesse sentido, Transcendence
– A Revolução, de Wally Pfister, se revela uma experiência absolutamente
decepcionante, por se tratar basicamente de 120 minutos de discussões propostas,
mas sem despender tempo em nenhuma delas.
A
trama escrita por Jack Paglen (que possui traços em comum com 2001 – Uma Odisseia no Espaço,
obra-prima de Kubrick, e com o excelente Ela,
de Spike Jonze, no modo como dispõe a relação entre os personagens e a
tecnologia) acompanha o cientista Will Caster (Johnny Depp, vivendo mais um
personagem excêntrico em sua já extensa galeria), responsável por desenvolver,
ao lado da esposa Evelyn (Rebecca Hall), um computador dotado de inteligência
artificial. Após sofrer um atentado ao sair de uma palestra, Will é ferido
gravemente e descobre ter pouco tempo de vida. Em uma medida drástica, o
cientista, auxiliado por sua mulher e pelo amigo Max (Paul Bettany), transfere
sua consciência para o sistema que vinha projetando. Agora consciente de forma
virtual, Caster tem acesso (e controle) sobre toda a rede mundial de
computadores, enquanto auxilia Evelyn a fugir dos terroristas que o atacaram e
a construir uma espécie de quartel-general tecnológico no meio do deserto.
A
virada na trama, que deveria ser inesperada, é a transformação do protagonista,
de um visionário cientista apaixonado pela vida terrestre, em um vilão caricato
vivendo em um supercomputador, e criando um exército de escravos sem vontade
própria com a desculpa de que está fazendo tudo pelo bem da humanidade. Em
algum momento, evidentemente, todos (até mesmo as pessoas mais próximas, sua
esposa Evelyn, o amigo Max e o cientista Joseph Tagger, vivido por Morgan
Freeman, que coopera com as investigações do agente Buchanan, interpretado por
Cillian Murphy) percebem que as boas intenções de Caster, se forem reais, estão
sendo suplantadas pela ameaça que representam para o futuro da humanidade, e a
vitória sobre a máquina passa a ser crucial para o homem.
Wally
Pfister estreia na direção de longas-metragens, após conquistar respeito com
ótimos trabalhos como diretor de fotografia, colaborando frequentemente com
Christopher Nolan, que atua aqui como produtor executivo. Do diretor de O Cavaleiro das Trevas e A Origem, Pfister herda traços
estéticos e autorais evidentes (a câmera lenta, a narrativa que se divide entre
dois acontecimentos que se dão paralelamente no terceiro ato), mas tecnicamente
parece ter aprendido apenas o que não deve, sendo incapaz de organizar uma mise-en-scène eficiente (um dos maiores problemas
de Nolan é estabelecer bem suas cenas de ação) na sequencia do confronto final,
e pecando pelo excesso de explicações em uma trama que nem é tão complicada
assim, e que se torna ainda mais enfadonha.
O
conceito da transferência de consciência de um corpo humano para um computador,
chamada de “Transcendência”, é até interessante. A fim de constituir o universo
no qual ambienta seus personagens e sua narrativa, Paglen parece ter tido contato
com obras e autores fundamentais no estabelecimento dos padrões das discussões
éticas no sci-fi do Século XX, como Isaac Asimov e William Gibson, mas não
parece compreendê-los. Transcendence
é pouco urgente. Todas as questões acerca dos limites do uso da tecnologia a
interferir na vida humana ou onde acaba a humanidade e começa o humanismo são
abandonadas com a mesma velocidade com que são levantadas. Sem se aprofundar
nas discussões, o longa parece andar em círculos, não chegando a lugar algum, e carecendo
da emergência que deveria ser a sua espinha dorsal.
Na falta do tom de gravidade, o desfecho soa eticamente torto ao insinuar que nenhuma
máquina é melhor do que as pessoas que as controlam, desde que sejam um cientista
com pinta de galã vivendo uma história de amor com sua linda e dedicada esposa,
e compartilhando com a humanidade o seu amor pela vida. Parece incrível, mas Transcendence consegue a proeza de se
encerrar apoiando, mesmo que inconscientemente, o cruzamento entre
fundamentalismo religioso e ludismo que vinha tentando criticar, se tornando,
além de falho como passatempo, uma obra de moral discutível.
Transcendence,
Wally Pfister, 2014
½

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