Sunday, July 06, 2014

Transcendence - A Revolução

Se existe algo de fascinante acerca da ficção científica enquanto gênero é a sua capacidade de suscitar questões morais, políticas e existenciais dentro dos mais diversos contextos, sem abdicar de uma natureza escapista quando necessária. Nesse sentido, Transcendence – A Revolução, de Wally Pfister, se revela uma experiência absolutamente decepcionante, por se tratar basicamente de 120 minutos de discussões propostas, mas sem despender tempo em nenhuma delas.

A trama escrita por Jack Paglen (que possui traços em comum com 2001 – Uma Odisseia no Espaço, obra-prima de Kubrick, e com o excelente Ela, de Spike Jonze, no modo como dispõe a relação entre os personagens e a tecnologia) acompanha o cientista Will Caster (Johnny Depp, vivendo mais um personagem excêntrico em sua já extensa galeria), responsável por desenvolver, ao lado da esposa Evelyn (Rebecca Hall), um computador dotado de inteligência artificial. Após sofrer um atentado ao sair de uma palestra, Will é ferido gravemente e descobre ter pouco tempo de vida. Em uma medida drástica, o cientista, auxiliado por sua mulher e pelo amigo Max (Paul Bettany), transfere sua consciência para o sistema que vinha projetando. Agora consciente de forma virtual, Caster tem acesso (e controle) sobre toda a rede mundial de computadores, enquanto auxilia Evelyn a fugir dos terroristas que o atacaram e a construir uma espécie de quartel-general tecnológico no meio do deserto.

A virada na trama, que deveria ser inesperada, é a transformação do protagonista, de um visionário cientista apaixonado pela vida terrestre, em um vilão caricato vivendo em um supercomputador, e criando um exército de escravos sem vontade própria com a desculpa de que está fazendo tudo pelo bem da humanidade. Em algum momento, evidentemente, todos (até mesmo as pessoas mais próximas, sua esposa Evelyn, o amigo Max e o cientista Joseph Tagger, vivido por Morgan Freeman, que coopera com as investigações do agente Buchanan, interpretado por Cillian Murphy) percebem que as boas intenções de Caster, se forem reais, estão sendo suplantadas pela ameaça que representam para o futuro da humanidade, e a vitória sobre a máquina passa a ser crucial para o homem.

Wally Pfister estreia na direção de longas-metragens, após conquistar respeito com ótimos trabalhos como diretor de fotografia, colaborando frequentemente com Christopher Nolan, que atua aqui como produtor executivo. Do diretor de O Cavaleiro das Trevas e A Origem, Pfister herda traços estéticos e autorais evidentes (a câmera lenta, a narrativa que se divide entre dois acontecimentos que se dão paralelamente no terceiro ato), mas tecnicamente parece ter aprendido apenas o que não deve, sendo incapaz de organizar uma mise-en-scène eficiente (um dos maiores problemas de Nolan é estabelecer bem suas cenas de ação) na sequencia do confronto final, e pecando pelo excesso de explicações em uma trama que nem é tão complicada assim, e que se torna ainda mais enfadonha.

O conceito da transferência de consciência de um corpo humano para um computador, chamada de “Transcendência”, é até interessante. A fim de constituir o universo no qual ambienta seus personagens e sua narrativa, Paglen parece ter tido contato com obras e autores fundamentais no estabelecimento dos padrões das discussões éticas no sci-fi do Século XX, como Isaac Asimov e William Gibson, mas não parece compreendê-los. Transcendence é pouco urgente. Todas as questões acerca dos limites do uso da tecnologia a interferir na vida humana ou onde acaba a humanidade e começa o humanismo são abandonadas com a mesma velocidade com que são levantadas. Sem se aprofundar nas discussões, o longa parece andar em círculos, não chegando a lugar algum, e carecendo da emergência que deveria ser a sua espinha dorsal.

Na falta do tom de gravidade, o desfecho soa eticamente torto ao insinuar que nenhuma máquina é melhor do que as pessoas que as controlam, desde que sejam um cientista com pinta de galã vivendo uma história de amor com sua linda e dedicada esposa, e compartilhando com a humanidade o seu amor pela vida. Parece incrível, mas Transcendence consegue a proeza de se encerrar apoiando, mesmo que inconscientemente, o cruzamento entre fundamentalismo religioso e ludismo que vinha tentando criticar, se tornando, além de falho como passatempo, uma obra de moral discutível.

Transcendence, Wally Pfister, 2014 ½

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