Sunday, August 31, 2014

Magia ao Luar

Não é preciso ter um conhecimento de toda a carreira de Woody Allen para perceber que o cineasta não varia a temática de seus filmes, apesar de rodar tramas diferentes. Em quase 50 anos, Allen construiu uma sólida carreira como autor (e ele talvez seja um dos profissionais vivos que mais mereçam a alcunha) ao analisar, por prismas e pontos de vista diversos (e por vezes distintos entre si), conceitos e preocupações que o intrigam (e o afligem, como o bom, mas simplista documentário Woody Allen: Um Documentário mostrou) fora do set.

E Magia ao Luar, seu 45º longa-metragem, não foge à regra: é o misto de neurose acerca da existência ou não de Deus, (auto) análise do artista enquanto encantador de plateias (aqui na metáfora nem um pouco sutil do mágico) e maravilhamento com o poder da imagem feminina e sua influência sobre os homens que marcou sua filmografia, mistura da qual não cansamos de assistir, pois Allen não desiste de achar novas maneiras de apresenta-la.

A trama, ambientada na Côte d’Azur da década de 1920, acompanha Stanley (Colin Firth), que ganha a vida como o famoso mágico Wei Ling Soo. A pedido de um amigo, ele viaja à França com o intuito de desmascarar a americana Sophie Baker (Emma Stone), vidente, possivelmente uma golpista, que com seus poderes encantou a muito rica família de Brice (Hamish Linklater), disposto inclusive a se casar com a jovem.
                                                  
Apesar de ter pouco ou nada de novo, Magia ao Luar acaba se destacando como uma espécie de brisa nos feitos recentes do diretor. Parte dessa eficiência vem de uma apenas aparentemente falta de cuidado com a mise-en-scène, dando ao longa um ar de simplicidade que tira dele a necessidade de se afirmar como narrativa, necessidade essa que havia comprometido ligeiramente Blue Jasmine, seu longa anterior. Essa aura comum favorece a comédia, e o enredo, que se desenrola como um improvável cruzamento entre O Escorpião de Jade e Meia-Noite em Paris, acaba ganhando espaço para funcionar melhor.

E funciona ao ponto de ser usado, sem artifícios como personagens adicionais ou subtramas, para dar conta sozinho de apresentar temas comuns e caros ao cineasta. Magia ao Luar se desenrola de maneira simples, mas ainda assim consegue colocar em foco alguns questionamentos artísticos e filosóficos de Allen. Através das situações, resumidas em apenas uma frase (Stanley tenta a todo custo desmascarar Sophie, que é um encanto), o diretor comenta mais uma vez a idealização feminina (assunto central de seus melhores trabalhos) e trata de seu ceticismo, através da figura do ilusionista.

Mas apesar das estratégias para esvaziar o filme de afetação, nada seria o que é se Sophie não funcionasse. Mas no meio da ligeira canastrice de Firth, que vive Stanley com afetação medida, e dos bons coadjuvantes (que incluem as participações de Marcia Gay Harden e Jacki Weaver, além de Eileen Atkins, que encarna Vanessa, e protagoniza com Stanley a melhor cena do longa, em um diálogo no terceiro ato), existe espaço para Emma Stone, que consegue apresentar a protagonista como uma figura misteriosa mas alegre e, de certa forma menos espalhafatosa do que em alguns de seus últimos trabalhos, compõe a vidente de maneira encantadora.

Emma é favorecida pela ambientação. Woody Allen é famoso por escrever roteiros e personagens já pensando em seus intérpretes, e desta vez a escalação é bastante feliz. A paisagem e o clima do sul francês, banhado pelo Mediterrâneo, transformam Sophie em uma presença ensolarada, que colocaria em dúvidas qualquer cético. Afinal, como um sorriso desses poderia mentir sobre algo? O sucesso de Magia ao Luar, e o certo destaque em uma filmografia tão vasta e competente, vem justamente daí, de não só discutir, mas conseguir cruzar idealização e descrença.

Magic in the Moonlight, Woody Allen, 2014 

2 comments:

joão said...

gostei dos atores e de momentos isolados. acho o filme fraco no geral

Raquel Raposo said...

Adorei a simplicidade do filme e a trilha sonora é fantástica(como sempre nos filmes dele).
Amei o filme!
Ótimo texto!