É triste notar que ganhou força, nos
últimos anos, uma corrente de filmes tendo mulheres como protagonistas à frente
e atrás das câmeras e que surgem mais misóginos do que qualquer produção que
louve a força e a importância do homem como provedor. A Saga Crepúsculo e a refilmagem de Carrie, a Estranha são exemplos claros de longas que, comandados
por mulheres, e tendo o sexo feminino em foco, acabam prestando um desserviço
ao transformar suas heroínas (e vilãs, no caso de Carrie) em seres acéfalos
comandados pelo sexo oposto. Nesse contexto, Cinquenta Tons de Cinza pode ser considerado um marco, uma
obra-prima da misoginia ao trazer tudo o que a onda de obras anti-feminismo possui, em um nível quase insuportável.
Adaptado para as telas por Kelly Marcel
(a partir do romance de E.L. James, que não li e nem pretendo), a trama
acompanha Anastacia Steele (Dakota Johnson), estudante de literatura dedicada,
que para ajudar uma amiga, aceita fazer uma entrevista com o bilionário
Christian Grey (Jamie Dorman) para ser publicada no jornal da universidade.
Grey rapidamente se revela um imbecil, uma espécie de Tony Stark sem o bom
humor (e sem a armadura), mas a jovem se vê imediatamente atraída pelo rapaz
que, também encantado pela moça (ou vislumbrando a possibilidade de controlá-la
feito uma marionete), passa a persegui-la, aparecendo em praticamente todos os
lugares em que a garota pense estar sozinha.
O mais sensato para Anastacia seria
chamar a polícia, mas, contrariando a lógica (e explicitando as raízes da obra
como fan fiction de Crepúsculo), a
jovem se vê apaixonada por Grey. Este, porém, possui um segredo (que o texto
usa para dar profundidade ao personagem, mas que apenas o deixa mais parecido
com o vampiro Edward), e por isso o casal logo assume aquela dinâmica do “não
podemos ficar juntos, apesar desse amor gigante”: acontece que o ricaço possui
fetiches sadomasoquistas (o texto em momento algum consegue
compreender as práticas BDSM em toda sua essência).
A questão em Cinquenta Tons de Cinza, que jamais deixa que os personagens sejam
desenvolvidos satisfatoriamente, é a idealização extrema, machista e
preconceituosa dos personagens. Anastacia (cuja concepção do nome lembra a
expressão “êxtase anal”, o que não deixa de ser cômico) é a jovem estudante, dedicada,
inteligente, apaixonada por livros, e virgem (detalhe que deixa o sociopata por
quem ela se apaixona bem animado: “por onde você andou?”, ele chega a
perguntar). Christian Grey (cujo primeiro nome significa Cristão, e o sobrenome
é o mesmo do sadomasoquista vivido por James Spader no excelente Secretária, o que não pode ser
coincidência), por sua vez, é o jovem bem-sucedido, bilionário aos vinte e sete
anos de idade, sarado e, claro, branco. E se você acha que a etnia do
personagem não deveria ser relevante aqui, espere até perceber que Anastacia recusa
um pretendente chamado José, amigo seu da faculdade, que é latino, assim como
Bella recusava Jacob (ele um descendente de indígenas) em Crepúsculo. Ao que parece, quem não é branco só serve mesmo para
ser amigo.
À idealização descabida do texto de
Marcel (Christian é daqueles que, ainda nus, tocam piano após o sexo), soma-se a
incapacidade da diretora Sam-Taylor Johnson de estabelecer o interesse do
espectador pela trama, seja por não conseguir dirigir os seus protagonistas de
forma satisfatória (tanto Dakota quanto Dorman são absolutamente
inexpressivos), fazendo com que a dança do acasalamento do casal seja
involuntariamente engraçada (impossível não rir quando Christian diz que não faz
amor, mas que “fode, com força”), ou seja por investir em opções visuais que,
beirando a infantilidade, jamais surtem efeito. Reparem, por exemplo, na obviedade
do modo como Ana morde os lábios para demonstrar que está com tesão, ou no
apartamento dominado pelo vermelho (a cor do desejo, a mesma cor do quarto BDSM
que Grey tem em sua casa) para onde Ana se muda. A diretora tenta também metaforizar a
tensão sexual entre os amantes (a chuva, simbologia clássica do tesão no
cinema, que Ana pega após o primeiro papo com Christian, ou o plano fechado na
boca da jovem enquanto ela morde um lápis, objeto fálico, que traz impresso em si o nome do magnata), mas, novamente, causa apenas vergonha alheia e risos.
Aliás, o ritual de sedução entre
Anastacia e Grey é constrangedor. O casal demora uma hora para chegar ao
quarto, e então Taylor-Johnson mostra suas verdadeiras cores: a cineasta até
tenta vender seu filme como sensual, mas, em vez de investir em um estudo das
fixações sexuais do rapaz, confunde fetiche e pecado. O próprio Christian tem
vergonha de suas preferências, que o longa trata como reflexos de uma infância problemática
e de abusos no passado. A indecência e a depravação em Cinquenta Tons de Cinza acabam sendo muito menos devido ao sexo
(sempre seguro, com direito a idas à ginecologista e a closes em pacotes de
camisinha sendo abertos; nesse contexto os pêlos púbicos de Dakota Johnson até
surpreendem, no meio de tanta pseudosacanagem sem-graça), e mais na maneira
como o bilionário exerce seu controle sobre a universitária. Na cabeça demente
de E.L. James, Kelly Marcel e de Sam Taylor-Johnson, não basta para a mulher
que o homem comande o que acontece na cama. Ele precisa dominá-la social e economicamente também.
A certeza que fica é que a putaria suja
e esculachada de Adrian Lyne e Paul Verhoeven fazem muita falta no cinema de
hoje em dia. Com eles, em filmes como 9
½ Semanas de Amor e Proposta
Indecente, de Lyne, e Instinto
Selvagem e a galhofa chamada Showgirls,
de Verhoeven, as mulheres eram muito mais donas de si.
Agora, ao que tudo indica, o que elas
querem é um verdadeiro príncipe, aquele que as leva para passear de helicóptero
e avião, que lhes compra carros e não as deixa nem mesmo visitar suas próprias
mães em paz. Tendo tudo isso de bom, ser açoitada e estapeada como forma
punitiva, em uma modalidade de sexo opressor que só é bom para ele, é mero
detalhe. Vale até a pena se anular por esse pedaço de mau caminho.
Fifty Shades of Grey, Sam Taylor-Johnson, 2015
1 comment:
o filme é um lixo, e no incio eu ete ri de algums coisas ridicula.s
mas o "não faço amor, fodo com força" foi uam das coisas mais constrangedoras que ja vi
grade texto
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