Entender seu papel como mercadoria e não
se levar a sério em sua função de ser parte reboot, parte sequencia é o que faz
de Jurassic World: O Mundo dos
Dinossauros um passatempo quase irresistível. Dotado de um tom quase solene
quando se refere ao Parque dos
Dinossauros original, e recheado de referências a clássicos do cinema que
foram precursores do filme dirigido por Steven Spielberg em 1993, o quarto
longa da franquia não tem vergonha de imprimir um ritmo de ação quase
ininterrupta, o que maquia e quase faz desaparecer os problemas ideológicos da
obra, como um machismo nada velado e a mudança de tom no terceiro ato, que
passa da luta pela sobrevivência, que sempre marcou a franquia, para uma
dinâmica de combate que incomoda qualquer um que seja contra a caça a animais
selvagens.
A trama, que Colin Trevorrow dirige a
partir de um roteiro escrito por ele em parceira com Rick Jaffa, Amanda Silver
e Derek Connolly, parte de uma premissa não muito lógica se considerados todos
os acontecimentos do primeiro filme, mas que parece extremamente coerente com o
universo da série: batizado como Jurassic World, o parque dos dinossauros,
menina dos olhos do magnata John Hammond, está em pleno funcionamento, e recebe
milhares de visitantes por dia em sua estrutura que possui semelhanças com o
Sea World. As mudanças em relação ao parque projetado inicialmente se dão por
fruto dos novos tempos. É preciso sempre trazer novas atrações, e os cientistas
da Ilha Nublar agem nesse sentido criando dinossauros híbridos, maiores e mais
violentos (“Precisamos de mais dentes” é uma frase repetida por diversas vezes,
em contextos diferentes), para que o público esteja sempre ansiosa por ver as
criaturas.
A modernização dos dinossauros é uma
atualização na trama, mas apenas em partes, pois apesar de diferenciá-la das
três aventuras anteriores, ela serve mesmo é para que a narrativa revisite as
críticas, presentes em seus irmãos mais velhos, à mania que o homem tem de
brincar de Deus. À falta de originalidade do roteiro ao alfinetar a genética
soma-se o retorno a praticamente todos os estereótipos que em 93 foram
encarnados por Sam Neill, Laura Dern, Jeff Golblum e cia. Não escapa quase
nada: estão lá as crianças (Zach e Gray, vividos por Nick Robinson e Ty
Simpkins) que se perdem na ilha e precisam ser resgatadas, e o casal principal,
que repete a figura masculina, agora chamada Owen (Chris Pratt), e faz mudanças
na personagem feminina, agora Claire (Bryce Dallas Howard), tia de Zach e Gray,
uma executiva viciada em trabalho que não tem tempo nem paciência para a
família.
Nessa dinâmica reside o maior trunfo de Jurassic World. Ao apostar nas personas
mais clássicas da franquia, mas colocá-las perante novos vilões (o
inescrupuloso Hoskins de Vincent D’Onofrio, que sonha em utilizar Velociraptors
treinados como armas de guerra, mas que jamais conta com o consentimento de
Owen) e desafios literalmente maiores (e bem convincentes em suas toneladas de
CGI) e mais inteligentes, Colin Trevorrow e seus roteiristas ficam no meio-termo
entre a continuação e a refilmagem, ganhando o espectador pela memória afetiva
(impossível não associar os olhares maravilhados de Zach e Gray ao dos
personagens de Parque dos Dinossauros
quando chegavam à ilha), reverenciando, com cenários do primeiro filme,
inclusive, e exibindo um monte de referências, de Aliens: O Resgate a Godzilla
(a minha preferida é o ataque dos Pterodáctilos, uma homenagem rasgada a Os Pássaros).
Incomoda bastante, no entanto, o
tratamento dado aos dinossauros, sejam Pterodáctilos ou o híbrido Indominus
Rex, vilanizados de vez. Apesar da vontade de se assumir como mezzo remake, Jurassic World não consegue em momento algum que o espectador
relativize o que está acontecendo na tela, pois apesar do personagem de Jake
Johnson e suas discussões sobre ética com o empresário Simon Masrani (Irrfan
Khan), fica difícil pensar no assunto no meio de tiroteios, explosões e
militares correndo pra lá e pra cá, descaracterizando todo um contexto
estabelecido há mais de 20 anos.
O problema é que, mesmo revisitando a
trama e parte da dinâmica entre os personagens de outrora, Trevorrow não é
Spielberg, que havia sido bem-sucedido ao levar o romance de Michael Crichton
para a película, em uma obra coesa e bem-resolvida tematica e ideologicamente, e que ainda por cima limava
das telas um certo sexismo que poderia vir à tona, até pela natureza
aventureira da narrativa (que remetia à época dos heróis destemidos, até no
modo do protagonista vivido por Sam Neill se vestir), e que seria menos
contestado no início dos anos 90 do que hoje em dia. O Mundo dos Dinossauros se complica todo no modo como desenha seus
personagens, na misoginia descabida de Owen, e especialmente na jornada de
Claire, que passa por uma transformação decepcionante (para dizer o mínimo)
durante a projeção, indo da mulher independente à condição de donzela. Ela até se defende sozinha, com uma camiseta
apertada que revela suas curvas (alguém lembra de Chamada de Emergência?) e correndo muito calçando sapatos de salto
bem alto, mas se sente muito mais protegida ao lado do macho, que chega ao
cúmulo de se auto-intitular o “Alfa” em certo momento.
Bateu até certa culpa por ter me divertido
até ali.
Jurassic
World,
Colin Trevorrow, 2015
2 comments:
Gostei muito do filme!
Bem divertido, e a cena final da luta do T-rex com o Indominus é muito legal!
gostei do filme. E não acho que seja machismo.Não creio que ter uma mulher "donzela" torne a personagem machista.
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