Entregar para Josh Trank o comando do
reinício do Quarteto Fantástico nos cinemas foi uma ótima ideia. O cineasta parecia o nome
mais apropriado para salvar a franquia que leva o primeiro supergrupo da Marvel
para as telas, dado o ótimo Poder Sem
Limites (filme de super-heróis original e eficiente, que contava com personagens
tridimensionais e um vilão trágico e ameaçador na medida certa), que ele
dirigiu em 2012. O desejo do estúdio era claramente tirar do reboot a aura de
filme infantil dos dois longas terríveis dirigidos por Tim Story em 2005 e
2007, e de certa forma pode-se dizer que a missão foi cumprida. O que não se
pode dizer, infelizmente, é que o Quarteto
Fantástico de Trank é melhor.
Essa refilmagem se inicia de forma
promissora em 2007 (curiosamente o mesmo ano da estreia de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado), com os pequenos Reed
Richards e Ben Grimm iniciando uma amizade após Reed ser pego invadido o
quintal dos Grimm para pegar peças necessárias para montar sua nova invenção
(ele havia desistido do carro voador). Essa primeira parte, com ecos de Star
Trek e Super 8, ambos de J. J. Abrams, logo é abandonada, sete anos se passam e
o espectador se depara novamente com os dois amigos (vividos por Miles Teller e
Jamie Bell), dessa vez em uma feira de ciências apresentando uma versão
melhorada do mesmo invento, que parece um revolucionário, apesar de pequeno,
aparelho de teletransporte. O dispositivo não funciona muito bem, mas é o suficiente
para chamar a atenção do Dr. Franklin Storm (Reg E. Cathey), que oferece uma bolsa de estudos
para Richards e o leva para trabalhar em um laboratório gigantesco, onde o
jovem tem a chance de construir sua invenção em uma escala maior, ao lado dos
filhos do Dr. Storm, Sue (Kate Mara) e Johnny (Michael B. Jordan) e de Victor
Von Doom (Toby Kebbell).
Mais do que teletransporte, a máquina
oferece à humanidade a chance de chegar à Zona Negativa (criada nas HQs em 1966
e chamada aqui de Planeta Zero), um universo alternativo composto por anti-matéria.
Um acidente envolvendo os protagonistas neste Planeta Zero dará aos jovens seus
poderes, encarados inicialmente como anomalias, e será o responsável pelo
surgimento do vilão Dr. Destino. De volta à Terra, Johnny, Sue, Ben e Reed
terão que confrontar sua nova realidade e condição, e encarar Destino,
determinado a destruir a Terra para que (em uma lógica que não faz sentido
algum) o Planeta Zero possa sobreviver.
Fica clara a intenção da obra, escrita por
Trank ao lado de Simon Kinberg e Jeremy Slater, de distanciar este reinício das
duas aventuras comandadas por Story. O tom de gravidade perpassa toda a trama,
que se desenrola (pelo menos durante seus melhores momentos) como uma ficção
científica clássica, com conceitos que parecem inspirados no que Isaac Asimov descreveu
em seu livro Os Próprios Deuses, no qual o autor desenvolveu a viagem
interdimensional. Tal gravidade faz com que o reboot decida abandonar a ideia
de os poderes dos personagens aparecerem após uma viagem espacial (que hoje não
representa mais nenhuma revolução para a Humanidade), aproximando o longa muito
mais dos quadrinhos Ultimate escritos por Brian Michael Bendis e Mark Millar do que das
páginas saídas das mãos de Stan Lee e Jack Kirby, ou da ótima fase dos heróis
por Mark Waid.
As diferenças entre Quarteto Fantástico e seus predecessores cinematográficos param por
aí. Na construção da narrativa, esta adaptação naufraga tanto quanto a franquia
que a antecedeu. Parte dos problemas se dá justamente no roteiro, que tenta
vender a ideia de que quatro moleques (um deles um bad boy pouco querido pelos
patrocinadores) encabeçariam um projeto de interesse da NASA (o Quarteto de 2005 também apostava em
absurdos, como um cientista falido possuir um laboratório extremamente
moderno em sua casa). Os diálogos, mal escritos, jamais dão profundidade aos
personagens, transformando quase todos em caricaturas (com exceção de Ben, de
longe a fração mais dramática do longa na sua dinâmica de garoto aprisionado em
uma massa gigantesca de pedra e utilizado como arma pelo exército), subaproveitando o bom elenco e sendo
incapaz de trabalhar os laços familiares que sempre foram a força do grupo nos
gibis.
A maior prejudicada pela inabilidade do
texto é Sue Storm. Seu passado com Von Doom e a proximidade com
Richards parecem forçados. Além disso, é um desperdício deixar de lado a
discussão acerca do fato de Sue ser adotada (a escalação de Michael B. Jordan e
Kate Mara para viverem dois irmão foi uma das grandes polêmicas durante as
filmagens), que era de longe um dos traços mais interessantes e originais do
longa, que se mostra, em seus 100 minutos, um especialista em frustrar
expectativas da pior maneira.
Esse sentimento de frustração fica claro
também no modo como a narrativa é arranjada. Existe aqui uma tentativa de
construção de três atos bem desenhados (o laboratório, a aquisição dos poderes,
a formação da equipe na batalha com Dr. Destino), mas eles parecem desconexos e
extremamente desequilibrados, pois o espectador não vê muito claramente a
transição das duas primeiras partes (aproximadamente uma hora do filme se passa
no laboratório) e quando o vilão mal apareceu, o filme já acabou. Em momento
algum tem-se noção da ameaça de Destino ou do quanto os quatro heróis são fortes
quando trabalham em equipe. O terceiro ato, inclusive, representa não só o setor
mais deslocado do longa, mas também seu ponto mais fraco, com efeitos especiais
pouco convincentes (um fundo verde muitíssimo mal utilizado) e uma batalha que
se resolve rápido demais.
Quarteto
Fantástico
teve seu final refilmado. Os executivos ordenaram que se criasse um novo
encerramento após notarem que o longa tinha muito menos ação do que eles
esperavam. Eles acusaram a primeira versão do filme de ter “pouco Quarteto
Fantástico”. O diretor Josh Trank, por sua vez, responsabiliza o estúdio pelo
insucesso de sua empreitada, que inicialmente seria uma trama nos clássicos
moldes da ficção científica. É o que dizem, filho feio não tem pai, e assistindo
à obra fica mesmo difícil dizer quem tem razão nessa, pois o terceiro ato é sim
a pior parte, mas de um filme que já estava bem irregular, tendo empolgado
muito pouco até então (as cenas em que os poderes se manifestam pela primeira
vez, com traços Cronenbergianos, é uma ilha de qualidade dentro do longa).
Resta ao espectador esperar por dias
melhores para a superequipe no futuro, ou que eles jamais reapareçam nas telas.
Nesse caso, a não-inclusão da cena-pós créditos, tradicional em filmes do
gênero, que anuncia a possibilidade de uma sequência, é um alívio. É a
chance de um novo começo para os heróis ou que eles caiam de vez no
esquecimento. Vamos torcer.
Fantastic
Four,
Josh Trank, 2015 ½
2 comments:
Bem ruim o filme. Prefiro o antigo.
"(as cenas em que os poderes se manifestam pela primeira vez, com traços Cronenbergianos, é uma ilha de qualidade dentro do longa)"
Porra, que frase sensacional, hahaha. Puta texto bom, um dos teus melhores.
Ainda vou ver o filme, nem que seja pra concordar com cada linha dele.
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