Friday, August 07, 2015

Quarteto Fantástico

Entregar para Josh Trank o comando do reinício do Quarteto Fantástico nos cinemas foi uma ótima ideia. O cineasta parecia o nome mais apropriado para salvar a franquia que leva o primeiro supergrupo da Marvel para as telas, dado o ótimo Poder Sem Limites (filme de super-heróis original e eficiente, que contava com personagens tridimensionais e um vilão trágico e ameaçador na medida certa), que ele dirigiu em 2012. O desejo do estúdio era claramente tirar do reboot a aura de filme infantil dos dois longas terríveis dirigidos por Tim Story em 2005 e 2007, e de certa forma pode-se dizer que a missão foi cumprida. O que não se pode dizer, infelizmente, é que o Quarteto Fantástico de Trank é melhor.

Essa refilmagem se inicia de forma promissora em 2007 (curiosamente o mesmo ano da estreia de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado), com os pequenos Reed Richards e Ben Grimm iniciando uma amizade após Reed ser pego invadido o quintal dos Grimm para pegar peças necessárias para montar sua nova invenção (ele havia desistido do carro voador). Essa primeira parte, com ecos de Star Trek e Super 8, ambos de J. J. Abrams, logo é abandonada, sete anos se passam e o espectador se depara novamente com os dois amigos (vividos por Miles Teller e Jamie Bell), dessa vez em uma feira de ciências apresentando uma versão melhorada do mesmo invento, que parece um revolucionário, apesar de pequeno, aparelho de teletransporte. O dispositivo não funciona muito bem, mas é o suficiente para chamar a atenção do Dr. Franklin Storm (Reg E. Cathey), que oferece uma bolsa de estudos para Richards e o leva para trabalhar em um laboratório gigantesco, onde o jovem tem a chance de construir sua invenção em uma escala maior, ao lado dos filhos do Dr. Storm, Sue (Kate Mara) e Johnny (Michael B. Jordan) e de Victor Von Doom (Toby Kebbell).

Mais do que teletransporte, a máquina oferece à humanidade a chance de chegar à Zona Negativa (criada nas HQs em 1966 e chamada aqui de Planeta Zero), um universo alternativo composto por anti-matéria. Um acidente envolvendo os protagonistas neste Planeta Zero dará aos jovens seus poderes, encarados inicialmente como anomalias, e será o responsável pelo surgimento do vilão Dr. Destino. De volta à Terra, Johnny, Sue, Ben e Reed terão que confrontar sua nova realidade e condição, e encarar Destino, determinado a destruir a Terra para que (em uma lógica que não faz sentido algum) o Planeta Zero possa sobreviver.

Fica clara a intenção da obra, escrita por Trank ao lado de Simon Kinberg e Jeremy Slater, de distanciar este reinício das duas aventuras comandadas por Story. O tom de gravidade perpassa toda a trama, que se desenrola (pelo menos durante seus melhores momentos) como uma ficção científica clássica, com conceitos que parecem inspirados no que Isaac Asimov descreveu em seu livro Os Próprios Deuses, no qual o autor desenvolveu a viagem interdimensional. Tal gravidade faz com que o reboot decida abandonar a ideia de os poderes dos personagens aparecerem após uma viagem espacial (que hoje não representa mais nenhuma revolução para a Humanidade), aproximando o longa muito mais dos quadrinhos Ultimate escritos por Brian Michael Bendis e Mark Millar do que das páginas saídas das mãos de Stan Lee e Jack Kirby, ou da ótima fase dos heróis por Mark Waid.

As diferenças entre Quarteto Fantástico e seus predecessores cinematográficos param por aí. Na construção da narrativa, esta adaptação naufraga tanto quanto a franquia que a antecedeu. Parte dos problemas se dá justamente no roteiro, que tenta vender a ideia de que quatro moleques (um deles um bad boy pouco querido pelos patrocinadores) encabeçariam um projeto de interesse da NASA (o Quarteto de 2005 também apostava em absurdos, como um cientista falido possuir um laboratório extremamente moderno em sua casa). Os diálogos, mal escritos, jamais dão profundidade aos personagens, transformando quase todos em caricaturas (com exceção de Ben, de longe a fração mais dramática do longa na sua dinâmica de garoto aprisionado em uma massa gigantesca de pedra e utilizado como arma pelo exército), subaproveitando o bom elenco e sendo incapaz de trabalhar os laços familiares que sempre foram a força do grupo nos gibis.

A maior prejudicada pela inabilidade do texto é Sue Storm. Seu passado com Von Doom e a proximidade com Richards parecem forçados. Além disso, é um desperdício deixar de lado a discussão acerca do fato de Sue ser adotada (a escalação de Michael B. Jordan e Kate Mara para viverem dois irmão foi uma das grandes polêmicas durante as filmagens), que era de longe um dos traços mais interessantes e originais do longa, que se mostra, em seus 100 minutos, um especialista em frustrar expectativas da pior maneira.

Esse sentimento de frustração fica claro também no modo como a narrativa é arranjada. Existe aqui uma tentativa de construção de três atos bem desenhados (o laboratório, a aquisição dos poderes, a formação da equipe na batalha com Dr. Destino), mas eles parecem desconexos e extremamente desequilibrados, pois o espectador não vê muito claramente a transição das duas primeiras partes (aproximadamente uma hora do filme se passa no laboratório) e quando o vilão mal apareceu, o filme já acabou. Em momento algum tem-se noção da ameaça de Destino ou do quanto os quatro heróis são fortes quando trabalham em equipe. O terceiro ato, inclusive, representa não só o setor mais deslocado do longa, mas também seu ponto mais fraco, com efeitos especiais pouco convincentes (um fundo verde muitíssimo mal utilizado) e uma batalha que se resolve rápido demais.

Quarteto Fantástico teve seu final refilmado. Os executivos ordenaram que se criasse um novo encerramento após notarem que o longa tinha muito menos ação do que eles esperavam. Eles acusaram a primeira versão do filme de ter “pouco Quarteto Fantástico”. O diretor Josh Trank, por sua vez, responsabiliza o estúdio pelo insucesso de sua empreitada, que inicialmente seria uma trama nos clássicos moldes da ficção científica. É o que dizem, filho feio não tem pai, e assistindo à obra fica mesmo difícil dizer quem tem razão nessa, pois o terceiro ato é sim a pior parte, mas de um filme que já estava bem irregular, tendo empolgado muito pouco até então (as cenas em que os poderes se manifestam pela primeira vez, com traços Cronenbergianos, é uma ilha de qualidade dentro do longa).

Resta ao espectador esperar por dias melhores para a superequipe no futuro, ou que eles jamais reapareçam nas telas. Nesse caso, a não-inclusão da cena-pós créditos, tradicional em filmes do gênero, que anuncia a possibilidade de uma sequência, é um alívio. É a chance de um novo começo para os heróis ou que eles caiam de vez no esquecimento. Vamos torcer.

Fantastic Four, Josh Trank, 2015 ½

2 comments:

Raquel Raposo said...

Bem ruim o filme. Prefiro o antigo.

Luiz Alexandre said...

"(as cenas em que os poderes se manifestam pela primeira vez, com traços Cronenbergianos, é uma ilha de qualidade dentro do longa)"

Porra, que frase sensacional, hahaha. Puta texto bom, um dos teus melhores.
Ainda vou ver o filme, nem que seja pra concordar com cada linha dele.