Após
concluir sua trilogia ambientada na violenta ditadura de Augusto Pinochet, que alçaram
o nome de Pablo Larraín ao hall dos principais cineastas sul-americanos da
atualidade, dois caminhos poderiam ser seguidos pelo cineasta em seu quinto
longa de ficção (seu primeiro trabalho, Fuga,
recebeu pouco destaque por aqui): se entendesse que Tony Manero, Post Mortem
e No haviam explorado todas as
possibilidades de seu cinema na temática, Larraín poderia partir para algo
completamente diferente. Se, por outro lado, achasse que ainda poderia voltar à
expurgação da lembrança do governo repressor chileno, que durou de 1973 a 1990,
ele se manteria na mesma linha. É curioso, no entanto, que o diretor tenha
encontrado um meio termo em O Clube,
seu melhor filme até aqui.
Meio
termo porque, apesar de não ser ambientada no governo de Pinochet, a narrativa
faz uso do microcosmo, um dos artifícios clássicos usados pelo cinema de nações
traumatizadas por eventos nem sempre recentes, mas sempre de herança violenta, compondo um surpreendente filme sobre fantasmas.
A
trama, escrita pelo diretor em parceria com Guillermo Calderón e Daniel
Villalobos, acompanha a rotina de um grupo dos padres Vidal, Ortega, Silva e
Ramírez (Alfredos Castro, Alejandro Goic, Jaime Vadell e Alejandro Sieveking, respectivamente),
que vivem reclusos em uma casa amarela (o clube do título) em La Boca, no
interior do Chile, e são cuidados pela irmã/carcereira Mónica (Antonia Zegers).
O roteiro não demora a revelar o motivo de os religiosos viverem isolados: a suposta
casa de repouso é, na verdade, uma espécie de lugar de retiro e penitência para
padres afastados e impedidos de exercerem o ofício, devido aos mais diversos e
assustadores motivos, de pedofilia e homossexualismo a esquemas
que tiravam filhos de mães jovens para dá-los a mulheres mais velhas, que os “criariam”
melhor.
A
rotina do retiro (bastante controlada, da qual o único subterfúgio é o cão
galgo que os velhos religiosos criam para corridas) é abalada com a chegada de
um novo recluso, Padre Lazcano (José Soza), afastado de seus deveres por abuso sexual de
menores, e o seu passado, representado por Sandokan (Roberto Farías), volta à
tona com força, o que faz com que Lazcano resolva a situação de maneira drástica.
Os acontecimentos acabam trazendo Padre García (Marcelo Alonso) ao convívio da
casa amarela. García chega a serviço da Igreja a fim de investigar o caso,
diagnosticar o problema através de entrevistas com os religiosos, resistentes à
sua presença, e então decidir sobre o futuro do asilo.
Larraín
não tem medo de apontar sua mira para uma instituição que acredita estar falida.
O Chile é um país livre, o diretor parece dizer, e qualquer um, mesmo a Igreja Católica, pode
ser perscrutado. O Clube é, como já
foi dito, um filme de fantasmas, de demônios, e de padres (a alegoria ganha aqui
contornos de obviedade) que preferem ignorá-los a encararem o exorcismo. Nessa
conjuntura, o papel de García é fundamental na narrativa: é ele, mais jovem e
impaciente do que Mónica (que também esconde segredos em seu passado), o
catalisador, que dá novos ares ao ambiente e atribui a culpa da qual os padres
insistem em fugir.
A
Igreja, no entanto, não é o único alvo do texto, que utiliza cenário e
personagens de O Clube como ponto de
partida para a análise de uma herança sangrenta que somente na última década
vem sendo abordada com mais frequência. Assim como em No, a fotografia do excelente Sergio Armstrong é fundamental para
estabelecer uma melancolia inerente à trama. Aqui, porém, não existe a estética
de vídeo antigo para refrescar e deixar as imagens ensolaradas, restando um
azulado triste que perpassa toda a projeção. O microcosmo, por sua vez, fica
evidente na explosão de violência (Larraín foi produtor de Gloria e Jovem Alocada, longas-metragens recentes que exploraram em tons menos sombrios o momento do Chile enquanto
nação que reaprende a caminhar; nos filmes dirigidos pelo cineasta, no entanto,
não há espaço para leveza) do terceiro ato que, baseada na injustiça e na
indução de julgamento, faz com que o pobre sofrido acabe pagando por crimes que
não cometeu, deixando aos mais velhos – e poderosos – apenas o fardo de
conviver com as consequências e memórias de seus atos.
E
essa obra fantástica, um dos melhores filmes do ano, parece dizer que nem tão cedo o
povo vai esquecer que pagou com sangue a truculência dos poderosos. Só nos
resta esperar agora que o Chile enfim
cuide dos seus.
El Club,
Pablo Larraín, 2015
1 comment:
Ainda pretendo ver
Post a Comment