Monday, October 05, 2015

O Clube

Após concluir sua trilogia ambientada na violenta ditadura de Augusto Pinochet, que alçaram o nome de Pablo Larraín ao hall dos principais cineastas sul-americanos da atualidade, dois caminhos poderiam ser seguidos pelo cineasta em seu quinto longa de ficção (seu primeiro trabalho, Fuga, recebeu pouco destaque por aqui): se entendesse que Tony Manero, Post Mortem e No haviam explorado todas as possibilidades de seu cinema na temática, Larraín poderia partir para algo completamente diferente. Se, por outro lado, achasse que ainda poderia voltar à expurgação da lembrança do governo repressor chileno, que durou de 1973 a 1990, ele se manteria na mesma linha. É curioso, no entanto, que o diretor tenha encontrado um meio termo em O Clube, seu melhor filme até aqui.

Meio termo porque, apesar de não ser ambientada no governo de Pinochet, a narrativa faz uso do microcosmo, um dos artifícios clássicos usados pelo cinema de nações traumatizadas por eventos nem sempre recentes, mas sempre de herança violenta, compondo um surpreendente filme sobre fantasmas.

A trama, escrita pelo diretor em parceria com Guillermo Calderón e Daniel Villalobos, acompanha a rotina de um grupo dos padres Vidal, Ortega, Silva e Ramírez (Alfredos Castro, Alejandro Goic, Jaime Vadell e Alejandro Sieveking, respectivamente), que vivem reclusos em uma casa amarela (o clube do título) em La Boca, no interior do Chile, e são cuidados pela irmã/carcereira Mónica (Antonia Zegers). O roteiro não demora a revelar o motivo de os religiosos viverem isolados: a suposta casa de repouso é, na verdade, uma espécie de lugar de retiro e penitência para padres afastados e impedidos de exercerem o ofício, devido aos mais diversos e assustadores motivos, de pedofilia e homossexualismo a esquemas que tiravam filhos de mães jovens para dá-los a mulheres mais velhas, que os “criariam” melhor.

A rotina do retiro (bastante controlada, da qual o único subterfúgio é o cão galgo que os velhos religiosos criam para corridas) é abalada com a chegada de um novo recluso, Padre Lazcano (José Soza), afastado de seus deveres por abuso sexual de menores, e o seu passado, representado por Sandokan (Roberto Farías), volta à tona com força, o que faz com que Lazcano resolva a situação de maneira drástica. Os acontecimentos acabam trazendo Padre García (Marcelo Alonso) ao convívio da casa amarela. García chega a serviço da Igreja a fim de investigar o caso, diagnosticar o problema através de entrevistas com os religiosos, resistentes à sua presença, e então decidir sobre o futuro do asilo.

Larraín não tem medo de apontar sua mira para uma instituição que acredita estar falida. O Chile é um país livre, o diretor parece dizer, e qualquer um, mesmo a Igreja Católica, pode ser perscrutado. O Clube é, como já foi dito, um filme de fantasmas, de demônios, e de padres (a alegoria ganha aqui contornos de obviedade) que preferem ignorá-los a encararem o exorcismo. Nessa conjuntura, o papel de García é fundamental na narrativa: é ele, mais jovem e impaciente do que Mónica (que também esconde segredos em seu passado), o catalisador, que dá novos ares ao ambiente e atribui a culpa da qual os padres insistem em fugir.

A Igreja, no entanto, não é o único alvo do texto, que utiliza cenário e personagens de O Clube como ponto de partida para a análise de uma herança sangrenta que somente na última década vem sendo abordada com mais frequência. Assim como em No, a fotografia do excelente Sergio Armstrong é fundamental para estabelecer uma melancolia inerente à trama. Aqui, porém, não existe a estética de vídeo antigo para refrescar e deixar as imagens ensolaradas, restando um azulado triste que perpassa toda a projeção. O microcosmo, por sua vez, fica evidente na explosão de violência (Larraín foi produtor de Gloria e Jovem Alocada, longas-metragens recentes que exploraram em tons menos sombrios o momento do Chile enquanto nação que reaprende a caminhar; nos filmes dirigidos pelo cineasta, no entanto, não há espaço para leveza) do terceiro ato que, baseada na injustiça e na indução de julgamento, faz com que o pobre sofrido acabe pagando por crimes que não cometeu, deixando aos mais velhos – e poderosos – apenas o fardo de conviver com as consequências e memórias de seus atos.

E essa obra fantástica, um dos melhores filmes do ano, parece dizer que nem tão cedo o povo vai esquecer que pagou com sangue a truculência dos poderosos. Só nos resta esperar agora que o Chile enfim cuide dos seus.

El Club, Pablo Larraín, 2015 

1 comment:

Joao said...

Ainda pretendo ver