É
difícil vermos um filme que tenha posicionamento tão veemente em relação ao
combate que os governos travam há décadas contra o narcotráfico. Pois Sicario: Terra de Ninguém não aparenta
ter dúvida alguma ao afirmar em imagens que essa guerra não será vencida.
Jamais, ou pelo menos enquanto limites territoriais e leis de soberania
nacional forem desrespeitados, que vingança seja parte do plano ou que derrubar
um criminoso utilizando outro como peça-chave tática, a batalha contra as
drogas está perdida, e remediar parece ser a única saída, em um contexto que
transforma os lugares em terras sem dono e sem lei, em que lobos disputam o
poder.
Denis
Villeneuve surge como um diretor apropriado para uma trama que esteticamente habita
a linha entre o policial tenso e o filme de guerra. O canadense apareceu para o
mundo como um cineasta preocupado com a tensão instaurada, mas ainda mais com
aquele momento que justamente a antecede, aquela escalada que torna as coisas
insuportáveis antes de explodirem. Lembra, nesse interesse, Kleber Mendonça
Filho. A diferença entre os dois, no entanto, é que O Som ao Redor, único longa-metragem de Kleber, se atinha à
construção do mal-estar, enquanto os filmes de Villeneuve, como Incêndios, O Homem Duplicado e, principalmente, Os Suspeitos, não fugiam da responsabilidade de exibi-lo, mesmo que
se esticassem além da conta para atingir tal feito.
Aqui,
apoiado pelo roteiro de Taylor Sheridan (em sua estreia nas telas na função), o
diretor ambienta sua trama na fronteira entre México e Estados Unidos, na qual
é montada uma força-tarefa com o intuito de capturar o mafioso que controla a
venda de drogas na região. Kate Macer (Emily Blunt), agente do FBI, é adicionada
à operação, inicialmente pelas suas habilidades. Depois de introduzida ao comando, mais
detalhes da missão lhe são negados, enquanto a policial, auxiliada por Reggie
(Daniel Kaluuya), seu parceiro, tem que lidar com as atitudes nada ortodoxas do
agente Matt (Josh Brolin) e do misterioso Alejandro (Benicio Del Toro, em
composição digna de prêmios), motivados a fazerem de tudo para cumprir o
objetivo.
Kate
discorda dos métodos da equipe desde o início. E parece ser esse mesmo o papel da
protagonista, o de questionar os atos daqueles homens sem jamais liderá-los.
Apesar de ser figura de destaque e exercer liderança dentro do FBI, a agente
parece desconcertada quando a sua ideologia se mostra incompatível com a metodologia aplicada pela
força-tarefa, mesmo que ela esteja a bordo da operação
por motivos até certo ponto pessoais: ela busca vingança pela morte de dois
policiais, em uma batida feita em uma casa na qual funcionava um dos centros de
operação de um cartel.
Essa
sequência, aliás, que abre a narrativa, é primorosa por estabelecer, ao mesmo
tempo, as motivações de sua personagem principal e o tom em que Sicario buscará se inserir. A. O.
Scott, crítico do The New York Times, faz uma afirmativa interessante sobre Denis
Villeneuve, de que o cineasta não faz filmes violentos, e sim filmes sobre a
violência, e os corpos mutilados que estão distribuídos atrás do dry wall na
casa que abre o longa-metragem, assim como os cadáveres que o cartel pendura em
pontes, reiteram esse ponto de vista, de que Villeneuve está muito mais
preocupado em estudar a brutalidade do que em filmá-la se desenrolar. Nesse
âmbito, a combinação entre a fotografia de Roger Deakins, que aborda de forma
infernal a natureza ensolarada do lugar, e a trilha sonora propositalmente
arrastada de Jóhan Jóhansson dá o matiz ideal para o diretor em sua abordagem.
Talvez
seja por isso que as principais sequencias de ação do longa (o engarrafamento e
o túnel) sejam abordadas pelo cineasta com muito mais atenção à escalada da
sensação de claustrofobia e horror crescente do que às balas disparadas pelos homens
envolvidos nas situações. A questão que envolve e move a trama é muito mais o
que a guerra tira dos homens do que a guerra em si (que aqui, reiterando, não
chega nem perto do fim). É só pegarmos o exemplo de como o ambiente familiar de
um coadjuvante é observado, no intuito de criar um relato que seja muito menos
sobre conflitos do que sobre seus resultados.
Quando
foca nos personagens, aliás, esta é uma obra que se aproxima de
longas-metragens que mostravam justamente os efeitos que a dedicação à batalha
tem nos envolvidos. Aproxima-se de Guerra
ao Terror e A Hora Mais Escura (Bigelow,
2008 e 2012) na natureza contestadora de Kate, e não é à toa que nos dois
momentos em que a protagonista se posiciona contra as ações de seus superiores, sejam eles
Matt (cuja displicência e desprendimento ao usar chinelos e barba por fazer em
uma reunião fazem par com seu modus operandi insano) ou seu chefe no FBI
(vivido por Victor Garber), a bandeira dos EUA faz parte do enquadramento
quando das respostas de que os limites do correto foram alterados. O filme
ressoa também como Batman: O Cavaleiro
das Trevas (Nolan, 2008), quando se debruça sobre a questão de que “os fins
justificam os meios” e ao perscrutar as motivações de Alejandro, que (como não
deve ser novidade para o espectador mais experiente) remetem a fantasmas do
passado do sujeito.
Sem
jamais oferecer soluções fáceis aos dramas de seus personagens, que terminam
claramente abalados pela espiral em descenso que acabaram de enfrentar e/ou
atitudes que tomaram, este é, acima de tudo, um filme corajoso. Consegue ser
brutal sem ser gratuito; é consciente das questões sociais e políticas sobre as
quais se debruça, mas também é psicologicamente brilhante, ao enfocar o olho
por olho como única solução viável naquele universo sem fazer julgamentos de
moral. É daquelas obras que têm a bravura de enfocar, em plano-fechado, o rosto
horrorizado de um pai que viu seus filhos e esposa serem assassinados na sua
frente. Assim como Kate, Sicario:
Terra de Ninguém começa com a obsessão por corrigir o que está errado, mas
acaba abraçando o caos, e assinando embaixo.
Sicario,
Denis Villeneuve, 2015
1 comment:
Filme sensacional!
E concordo com a grande atuação do Benicio Del Toro.
Ótimo texto!
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