Filmes
de boxe nunca são realmente sobre boxe. Melhor: os GRANDES filmes de boxe nunca
são realmente sobre boxe. Nas mãos de mestres como Clint Eastwood (Menina de Ouro), Martin Ritt (A Grande Esperança Branca), Raoul Walsh
(O Ídolo do Público), Robert Wise (Marcado pela Sarjeta) e Martin Scorsese
(Touro Indomável), os longas que têm
o esporte como centro da narrativa geralmente são muito menos sobre competições
e mais sobre os homens que o praticam, personagens geralmente perdidos que
encontram o rumo – e vez por outra a redenção – ao lutarem, em obras que
utilizam os ringues como microcosmos das lutas que enfrentamos na vida.
Dentro
de tal subgênero, é de Rocky, um Lutador,
de John G. Avildsen o posto de mais popular. O vencedor do Oscar de Melhor
Filme de 1977 é daqueles filmes inesquecíveis, com um protagonista carismático
e que, além de conter/estabelecer muitos dos dramas e reviravoltas clássicos do
estilo, ainda alcançou fama suficiente para se transformar em franquia lucrativa.
Era de se esperar, portanto, que Creed:
Nascido para Lutar, de Ryan Coogler, fosse pelo mesmo caminho que a
franquia Rocky, da qual é ao mesmo
tempo sequência e reboot, pavimentou.
Nenhuma
surpresa ao constatar que de fato o longa anda mesmo em cima de uma linha
tênue, sendo simultaneamente parte de uma marca estabelecida no cinema há 40
anos e um produto totalmente novo, um filme de boxe empolgante e que desenvolve
os dramas de seus protagonistas de maneira tocante. A trama, escrita por
Coogler ao lado de Aaron Covington, acompanha Adonis Johnson (Michael B.
Jordan), órfão que frequentou alguns orfanatos até ser adotado por Mary Anne
(Phylicia Rashad), viúva de seu falecido pai, Apollo Creed, considerado por
muitos o maior boxeador que mundo já viu. Já adulto Adonis resolve seguir a
carreira de boxeador profissional, e para isso recorre ao ex-campeão dos pesos
pesados Rocky Balboa (Sylvester Stallone), insistindo para que ele seja seu
treinador.
Inicialmente
reticente, Rocky topa treinar o jovem, em parte por enxergar potencial no filho
de seu falecido amigo e em parte para se sentir vivo novamente. O convívio cria uma forte amizade entre os dois, principalmente a partir do
momento em que Adonis se muda para a casa de Balboa. Logicamente, existem
algumas outras lutas sendo travadas em cena, e um precisará do outro para
encará-las.
Em
linhas gerais, não existe muita diferença entre Rocky, um Lutador e esse reinício para a série: as personagens (o
boxeador jovem, a namorada que se torna uma motivação a mais, o treinador
experiente) e situações (a luta contra um boxeador mais experiente) se repetem
com desprendimento, com o texto sempre preocupado em deixar claro que Creed, entre outras coisas, é também um
tributo. Existe, no entanto, uma mudança no contexto social abordado pelo longa
em relação ao filme de 76. Se o primeiro Rocky
observava o protagonista como representante da classe operária branca da Pensilvânia,
dessa vez o comentário é racial. Adonis é um negro criado em meio ao luxo e aos
excessos de Los Angeles e que, ao se mudar para a Filadélfia, precisa provar
para os negros de lá que pode fazer parte de uma ambientação nova e de um
esporte majoritariamente praticado por negros. Nessa circunstância, é a
reedição de um momento clássico, a corrida de Rocky que termina no Museu de
Arte da Filadélfia, que estabelece a integração: Adonis mantém o mesmo moleton
cinza, mas troca as escadarias pelas ruas e enfim se torna aceito por aquele
meio.
A
direção de Ryan Coogler é essencial para posicionar o relacionamento dos
personagens no universo da série (somada, é claro, à elegância com que o
cineasta filma em cenas como o travelling que acompanha Adonis pelos corredores
antes de sua luta em Tijuana, ou o maravilhoso plano-sequência no primeiro
round contra Ricky Conlan, interpretado de maneira unidimensional por Tony
Bellew). Auxiliado pelo design de produção de Hannah Beachler e pela fotografia
de Maryse Alberti, fica claro o propósito do cineasta de provocar o choque de
gerações que movimentará seus personagens na narrativa e estreitará o
relacionamento entre eles, em cenas que evocam uma cidade envelhecida (o
espírito dos primeiros longas da série), em cenários como o restaurante ou a
antiga academia de Mickey, nos quais Adonis é um intruso, apenas para, logo em
seguida, limpar a imagem e apostar em aparelhos eletrônicos e registros
televisivos que transformam o velho Rocky em um alienígena.
Michael
B. Jordan e Sylvester Stallone entendem as intenções de Coogler de desenrolar
os dramas pessoais dos personagens em meio a essa dicotomia de gerações e
entregam grandes atuações. Enquanto Jordan pega um pouco de tudo que deu certo em
sua curta filmografia até agora, das personas que encarnou em Poder sem Limites, Fruitvale
Station e (vá lá) Quarteto
Fantástico e compondo o jovem Creed como um rapaz sempre perto de explodir,
mas capaz de ser extremamente carinhoso (como comprova ao cuidar de Rocky, ou
quando se encontra na companhia de Bianca, namorada vivida por Tessa Thompson),
Sly engole a todos em cena e entrega a melhor atuação de sua carreira.
Apesar
de coadjuvante, é Stallone a força-motriz por trás da narrativa. Aos 69 anos, o
ator prova novamente (como já havia demonstrado em Rocky Balboa e Os
Mercenários) toda sua capacidade de abordar os efeitos da idade nos
brutamontes de bom coração que encarnou durante toda a vida. E se o
lutador é o seu melhor papel (em entrevistas, Stallone tem se referido ao
personagem como “seu melhor amigo”), aqui ele o trata com carinho, tirando o
velho Balboa de cena, mas sem conseguir sair completamente enquanto alguém
ainda depender dele para conseguir chegar a algum lugar. Rocky sempre foi um
homem de família, trabalhador, que cuidou dos seus entes queridos e os tratou
como a coisa mais importante do mundo.
Se
os filmes de boxe são na verdade sobre laços familiares que se criam ou
estreitam, Creed: Nascido para Lutar
já pode ser considerado um campeão.
Creed,
Ryan Coogler, 2015 ½
3 comments:
Eu não sou muito fã dos filmes de boxe(principalmente depois de Menina de Ouro...) Mas, agora esse é meu filme de boxe favorito.
Amei demais!
Amei o filme. A doçura do estressado Adonis, encanta, ainda mais somada a de Rocky Balboa!
Muito boa opção! Uma acertada escolha que traz peso dramático ao personagem de Sylvester Stallone (muito talentoso, muito em breve vai estrear o filme Fahrenheit 451), que não desperdiça a oportunidade e faz aqui uma interpretação memorável. Assim como Michael B. Jordan consegue passar a veracidade exigida para o seu Adonis, sempre muito conectado e lembrando em alguns andamentos os trejeitos de Carl Weathers. A fita também abre espaço para Tessa Thompson, onde faz uma figura que por sua vez enfrenta uma triste realidade que a cada dia parece mais próxima. Creed é um filme que consegue homenagear respeitosamente a obra de 76, apresentando personagens profundos e dando uma despedida digna a um dos maiores personagens do cinema.
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