Saturday, March 05, 2016

A Bruxa

O cinema de horror tem dado indícios de estar revivendo nos últimos anos uma tradição do gênero. Os filmes de bruxas, um dia populares, e que se tornaram clássicos nas mãos de cineastas como Dario Argento, perderam força quando, de esposas do diabo, tais personagens se tornaram protagonistas de franquias infanto-juvenis. Recentemente, porém, a bruxaria parece ter tomado novo fôlego, com obras como As Senhoras de Salém (Rob Zombie, 2012), a já anunciada refilmagem de Suspiria (Luca Guadagnino, 2017), e a minissérie O Bebê de Rosemary (Agnieszka Holland, 2014). Nesse contexto de retomada do subgênero, A Bruxa, de Robert Eggers, dificilmente deixará de ter posição de destaque, pela construção eficiente do clima de pavor e pela coragem em dar ao espectador durante quase toda a sua duração uma experiência de terror genuíno ao sugerir muito mais do que mostrar.

A trama, escrita por Eggers em inglês moderno clássico, se passa em 1630 e acompanha uma família que é banida do vilarejo onde moravam por se recusarem a seguir os preceitos religiosos do local. Após confirmarem sua fé, acabam indo morar no interior, em uma casa à margem da floresta que, em breve, revelará ser o abrigo de algo aterrorizante. Em pouco tempo, William (Ralph Ineson), Katherine (Kate Dickie) e os filhos Thomasin (Anya Taylor-Joy), Caleb (Harvey Scrimshaw) e os gêmeos Mercy (Ellie Grainger) e Jonas (Lucas Dawson) se verão envolvidos em uma espiral de horror, principalmente após o bebê da família desaparecer sem deixar rastro.

É fascinante como o texto de A Bruxa se aproveita do componente sobrenatural para estudar seus personagens. A maldade maior, de acordo com o longa, está no próprio homem, e em como ele não se priva de acusar e culpar o outro quando se vê encurralado por uma situação limite, ignorando até mesmo os laços familiares. O sumiço do bebê deteriora de vez o relacionamento entre os integrantes da casa, e não demora muito para que as interações ganhem os contornos acusatórios dignos dos melhores filmes de câmara.

Apesar de estreante em longas-metragens, Robert Eggers dirige como um veterano. Vai revelando aos poucos os traços de seus personagens, adicionando tensão gradual à narrativa. Lembra, nesse traço, filmes como Abismo do Medo (2006) e Kill List (2011), de Neil Marshall e Ben Wheatley, diretores com mais rodagem, que estabeleciam todo o suspense antes de exibirem os vilões daquelas obras. O cineasta explora cada pedaço do sítio que abriga os protagonistas e investiga sem cerimônia o curral, o milharal, a casa em construção, sempre iluminada por velas e, claro, a floresta, sempre auxiliado pela fotografia seca de Jarin Blaschke, que segue caminho completamente oposto de Emmanuel Lubezki (A Árvore da Vida, O Regresso) ao escurecer a mata e retirar do Homem toda a esperança.
                                                                                                                         
A Bruxa é um filme de atmosfera muito mais do que de sustos, em que a técnica precisa soar convincente e envolver o espectador. Por isso, não é surpreendente descobrir que Eggers acumula bastante experiência como figurinista, designer de produção e diretor de teatro. Ele se cercou de profissionais que entenderam a proposta da obra, do compositor Mark Korven (que aposta em notas dissonantes que parecem sempre em desarranjo) ao diretor de arte Craig Lathrop, e conduziu com segurança o elenco pequeno, embora talentoso. Ralph Ineson e Kate Dickie (revelada em Game of Thrones) compõem a dor de William e Katherine de maneira profunda, enquanto Anya Taylor-Joy e Harvey Scrimshaw brilham como os personagens principais da trama.

Entretanto, apesar de todo o suspense criado, em certo momento o diretor precisa se decidir entre abraçar o místico ou se manter firme na sugestão. Por isso, os últimos podem parecer decepcionantes para aqueles que esperavam uma conclusão que jogasse mais com a mente do público, como o longa tinha feito brilhantemente durante quase toda a projeção. Em seu terceiro ato, a narrativa soluciona seu mistério com imagens e diálogos expositivos que, embora de certa forma chocantes (e que, novamente e talvez de maneira não proposital, remontam a Kill List), desapontam por serem explícitas demais, traindo uma história que havia escondido o horror nas sombras por dois atos.

Não que a conclusão tenha estragado a experiência densa que A Bruxa representa, mas Robert Eggers devia ter entendido que o ato de se render deveria ter acontecido apenas em frente às câmeras, e não atrás delas.

The Witch, Robert Eggers, 2015 ½

1 comment:

Raquel Raposo said...

Filme sombrio pra caramba! Eu jamais teria um bode igual o Black Phillip como animal de estimação. Cruz credo.
O ator que fez o Caleb arrasou demais, principalmente na cena da possessão. <3