O
cinema de horror tem dado indícios de estar revivendo nos últimos anos uma
tradição do gênero. Os filmes de bruxas, um dia populares, e que se tornaram
clássicos nas mãos de cineastas como Dario Argento, perderam força quando, de
esposas do diabo, tais personagens se tornaram protagonistas de franquias
infanto-juvenis. Recentemente, porém, a bruxaria parece ter tomado novo fôlego,
com obras como As Senhoras de Salém
(Rob Zombie, 2012), a já anunciada refilmagem de Suspiria (Luca Guadagnino, 2017), e a minissérie O Bebê de Rosemary (Agnieszka Holland,
2014). Nesse contexto de retomada do subgênero, A Bruxa, de Robert Eggers, dificilmente deixará de ter posição de
destaque, pela construção eficiente do clima de pavor e pela coragem em dar ao
espectador durante quase toda a sua duração uma experiência de terror genuíno ao
sugerir muito mais do que mostrar.
A
trama, escrita por Eggers em inglês moderno clássico, se passa em 1630 e acompanha uma família que é
banida do vilarejo onde moravam por se recusarem a seguir os preceitos
religiosos do local. Após confirmarem sua fé, acabam indo morar no interior, em
uma casa à margem da floresta que, em breve, revelará ser o abrigo de
algo aterrorizante. Em pouco tempo, William (Ralph Ineson), Katherine (Kate
Dickie) e os filhos Thomasin (Anya Taylor-Joy), Caleb (Harvey Scrimshaw) e os
gêmeos Mercy (Ellie Grainger) e Jonas (Lucas Dawson) se verão envolvidos em uma
espiral de horror, principalmente após o bebê da família desaparecer sem deixar
rastro.
É
fascinante como o texto de A Bruxa se
aproveita do componente sobrenatural para estudar seus personagens. A maldade
maior, de acordo com o longa, está no próprio homem, e em como ele não se priva
de acusar e culpar o outro quando se vê encurralado por uma situação limite,
ignorando até mesmo os laços familiares. O sumiço do bebê deteriora de vez o
relacionamento entre os integrantes da casa, e não demora muito para que as
interações ganhem os contornos acusatórios dignos dos melhores filmes de
câmara.
Apesar
de estreante em longas-metragens, Robert Eggers dirige como um veterano. Vai
revelando aos poucos os traços de seus personagens, adicionando tensão gradual à
narrativa. Lembra, nesse traço, filmes como Abismo do Medo (2006) e Kill
List (2011), de Neil Marshall e Ben Wheatley, diretores com mais rodagem,
que estabeleciam todo o suspense antes de exibirem os vilões daquelas obras. O
cineasta explora cada pedaço do sítio que abriga os protagonistas e investiga sem
cerimônia o curral, o milharal, a casa em construção, sempre iluminada por
velas e, claro, a floresta, sempre auxiliado pela fotografia seca de Jarin
Blaschke, que segue caminho completamente oposto de Emmanuel Lubezki (A Árvore da Vida, O Regresso) ao escurecer a mata e retirar do Homem toda a
esperança.
A Bruxa
é um filme de atmosfera muito mais do que de sustos, em que a técnica precisa
soar convincente e envolver o espectador. Por isso, não é surpreendente
descobrir que Eggers acumula bastante experiência como figurinista, designer de
produção e diretor de teatro. Ele se cercou de profissionais que entenderam a
proposta da obra, do compositor Mark Korven (que aposta em notas dissonantes
que parecem sempre em desarranjo) ao diretor de arte Craig Lathrop, e conduziu
com segurança o elenco pequeno, embora talentoso. Ralph Ineson e Kate Dickie
(revelada em Game of Thrones)
compõem a dor de William e Katherine de maneira profunda, enquanto Anya
Taylor-Joy e Harvey Scrimshaw brilham como os personagens principais da trama.
Entretanto,
apesar de todo o suspense criado, em certo momento o diretor precisa se decidir
entre abraçar o místico ou se manter firme na sugestão. Por isso, os últimos
podem parecer decepcionantes para aqueles que esperavam uma conclusão que
jogasse mais com a mente do público, como o longa tinha feito brilhantemente
durante quase toda a projeção. Em seu terceiro ato, a narrativa soluciona seu
mistério com imagens e diálogos expositivos que, embora de certa forma
chocantes (e que, novamente e talvez de maneira não proposital, remontam a Kill List), desapontam por serem
explícitas demais, traindo uma história que havia escondido o horror nas
sombras por dois atos.
Não
que a conclusão tenha estragado a experiência densa que A Bruxa representa, mas Robert Eggers devia ter entendido que o ato
de se render deveria ter acontecido apenas em frente às câmeras, e não atrás
delas.
The Witch,
Robert Eggers, 2015 ½
1 comment:
Filme sombrio pra caramba! Eu jamais teria um bode igual o Black Phillip como animal de estimação. Cruz credo.
O ator que fez o Caleb arrasou demais, principalmente na cena da possessão. <3
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