Apesar
de não ser a criadora do cinema de ação divertido e escapista, a Marvel Studios
pode ser considerada facilmente a responsável por reinventar a roda. Em tempos
de blockbusters sombrios e da ação pé-no-chão influenciada por A Identidade Bourne (Liman, 2002), Batman Begins (Nolan, 2005) e suas respectivas
sequências, foi a produtora, a partir de Homem
de Ferro (Favreau, 2008) que resolveu mergulhar de cabeça em uma mistura
que sempre deu certo, e que teve seu auge na década de 1980: um cinema que
mistura ação e comédia na mesma proporção, mas que sempre adiciona um drama
(por vezes, uma tragédia) para ser a liga que une os personagens e os move.
Capitão América: Guerra
Civil, o novo esforço da Marvel a chegar aos cinemas,
talvez não seja o melhor filme da Casa das Ideias, mas é um dos mais
competentes ao equilibrar escapismo e gravidade. Enquanto desenvolve a
profundidade da amizade entre Steve Rogers (Chris Evans) e Bucky Barnes
(Serbastian Stan), esta é a continuação direta de Capitão América: O Soldado Invernal (2014), mas suas dimensões, o
número de personagens e divergências entre os heróis sugerem que os eventos de Vingadores: Era de Ultron (Whedon,
2015) influenciaram, ainda mais do que o segundo filme do próprio Capitão, o
desenrolar da trama do terceiro filme que leva o nome da Sentinela da
Liberdade.
Novamente
dirigida por Anthony e Joe Russo a partir de roteiro de Christopher Marcus e
Stephen McFeely, a trama se desenrola a partir de uma missão dos Vingadores em
Lagos. O combate com Ossos Cruzados (Frank Grillo) e seu bando acaba causando a
morte de um grupo de Wakandanos que trabalhavam no local, e o incidente, aliado
com a destruição de Nova York (Os
Vingadores, 2012), Washington (O Soldado
Invernal) e Sokovia (Era de Ultron),
faz com que a ONU intervenha e crie um plano para que os heróis sejam
registrados e lutem apenas quando convocados pelas Nações Unidas. Enquanto Tony
Stark (Robert Downey Jr.) defende o registro, Steve se opõe veementemente à
decisão. E quando uma reunião da ONU sofre um ataque a bomba que causa a morte
de T’Chaka, rei de Wakanda, e Bucky se torna o principal suspeito, Capitão
América terá também que encontrar e proteger seu amigo da vingança do Pantera
Negra.
O
mote da responsabilidade é o que move personagens e narrativa em Guerra Civil. A responsabilidade pelas
mortes de civis nas missões dos heróis alimenta a velha rivalidade entre Homem
de Ferro e Capitão América (que foi explorada com muita competência pela campanha
de marketing do filme). A separação dos Vingadores se dá por questões
ideológicas, e adquire proporções de confronto épico quando os liderados do
Capitão (Falcão, Gavião Arqueiro, Feiticeira Escarlate e Homem-Formiga, vividos
por Anthony Makie, Jeremy Renner, Elizabeth Olsen e Paul Rudd, além do já
citado Soldado Invernal) passam a ser caçados pelo grupo de Stark (Viúva Negra,
Máquina de Combate, Pantera Negra e Visão, encarnados por Scarlett Johansson,
Don Cheadle, Chadwick Boseman e Paul Bettany), que por sua vez responde ao governo,
na figura do General Ross (William Hurt), agora Secretário de Estado. A culpa
por atitudes passadas também está presente na figura de Zemo, vilão
personificado por Daniel Brühl (difícil entender os motivos que a Marvel
encontrou para descaracterizar completamente Barão Zemo, um dos melhores vilões
da galeria do Capitão América), que investiga acontecimentos vividos por Bucky
em 1991, eventos que aproximam o Soldado Invernal ainda mais da disputa
Stark/Rogers.
Com
tantos personagens e tramas, é incrível como os irmãos Russo conseguem, com o
auxílio do ótimo texto, ser econômicos na maneira em que Guerra Civil trabalha a narrativa. Até o inevitável combate (aí
sim, grandiloquente como todo filme da Marvel sempre foi), a rivalidade entre
as ideias defendidas por Tony e Steve se dão muito mais nas discussões e em
como os traumas recentes das perdas de inocentes na Nigéria e em Sokovia
ressoam nos personagens. Existe paciência também na apresentação de novos
personagens do universo Marvel. T’Challa, herdeiro de Wakanda e dono do
uniforme do Pantera Negra, possui arco próprio, enquanto a mais esperada das
aparições, o Homem-Aranha (Tom Holland já pode ser considerado o melhor Peter
Parker dos cinemas, para a alegria dos fãs), acaba envolvido na disputa entre
os heróis e rouba a cena em seus poucos minutos de destaque, com seu falatório
desenfreado e seu uniforme lindo, que presta claras homenagens a Steve Ditko, John Romita e Sal Buscema, os maiores desenhistas que o herói já teve.
Já
é sabido, por fãs e espectadores, que fidelidade às páginas não é exatamente
algo buscado pelos filmes do universo cinematográfico Marvel. O que parece ser
a missão dos longas do estúdio é o respeito aos personagens e às
personalidades, é o leitor ver nas telas seus ídolos tratados com dignidade.
Não é diferente em Capitão América:
Guerra Civil. Se O Soldado Invernal
adaptava a maravilhosa fase de Ed Brubaker e Steve Epting à frente dos gibis do
Capitão América para o contexto atual dos filmes do estúdio com uma embalagem
de filme de espionagem, dessa vez são as páginas escritas por Mark Millar e
desenhadas por Steve McNiven que servem como base para a adaptação. E, como já
de praxe, os eventos dos quadrinhos são completamente modificados para se
encaixarem no momento pós Era de Ultron
e, claro, para se ajustarem aos personagens que a Marvel tem em suas mãos (a
saga Guerra Civil envolveu todo o
universo Marvel, inclusive personagens que hoje pertencem a outros estúdios,
como o Quarteto Fantástico, por exemplo).
A
comparação inevitável que se faz é com Batman
vs. Superman: A Origem da Justiça, que também se aproveitou de uma obra
clássica das HQs (O Cavaleiro das Trevas,
de Frank Miller e Klaus Janson) inserida em uma ambientação atual e propôs um
quebra-pau entre os seus maiores heróis. Guerra
Civil é muito melhor do que BvS
por saber utilizar sua duração de maneira mais sábia. Mesmo sendo um pouco mais
curto e contando com mais personagens, trata seus protagonistas com mais
carinho, dando a todos o tempo em cena necessário para que sejam absorvidos
pela narrativa e conseguindo fazer com que mesmo coadjuvantes como os sidekicks
encarnados por Anthony Mackie e Don Cheadle sejam melhor desenvolvidos do que a
subaproveitada Mulher-Maravilha no filme da DC/Warner.
Entendendo
a gravidade do embate entre Homem de Ferro e Capitão América (que geram ótimos
momentos, como a já clássica batalha no aeroporto), Capitão América: Guerra Civil promete que os próximos filmes
precisarão arrumar a relação estremecida que abalou os Vingadores. Encerra a
trama com competência e deixa situações engatilhadas para produções futuras (o
inevitável romance entre Visão e Feiticeira Escarlate, por exemplo, será
provavelmente desenvolvido em Vingadores:
Guerra Infinita). Enquanto a DC Comics apenas engatinha em seu universo
expandido nas telas, a Marvel dá mais um passo como a maior marca do cinema de
ação atual, honrando seus personagens com um respeito pelos superseres criados
desde os anos 40 pela editora. É isso, a fidelidade e o respeito, que fica como sensação no espectador quando os olhares sofridos dos envolvidos no
combate denunciam a dor de lutar contra amigos. As aventuras da Marvel têm
coração.
Captain America: Civil War, Anthony & Joe Russo, 2016
1 comment:
"É isso, a fidelidade e o respeito, que fica como sensação no espectador quando os olhares sofridos dos envolvidos no combate denunciam a dor de lutar contra amigos. As aventuras da Marvel têm coração."
Têm muito coração!
Amei o filme. Achei muito linda a carta que o Capitão mandou pro Stark no final. Eles são lindos demais!!
E não me cansa de expressar minha paixão pelo Pantera Negra! <3 Que uniforme maravilhoso!
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