A
franquia X-Men nunca foi unanimidade
entre os fãs de quadrinhos. Adotando uma postura de que em mídias diferentes
seguem-se caminhos diferentes, a série comandada desde o início por Bryan
Singer (que foi produtor nas duas únicas aventuras que não dirigiu) fez
concessões, adaptou livremente histórias famosas dos mutantes e causou a
revolta de muitos aficionados, enquanto outros espectadores louvaram a coragem
dos filmes de tentarem algo diferente para que os filmes de super-heróis funcionassem
nas telas, em uma época em que as adaptações de HQs ainda engatinhavam e a
Marvel Studios nem sonhava em existir. O resultado, se analisado friamente, é
irregular: enquanto o mundo viu grandes filmes como X-Men 2 (2003) e X-Men:
Primeira Classe (Matthew Vaughn, 2010), os desastres de X-Men: O Confronto Final (Brett ratner,
2006) e X-Men: Dias de um Futuro
Esquecido (2014) são grandes demais para serem ignorados.
E
foi justamente o problemático Dias de um
Futuro Esquecido que criou um clima de desconfiança no público. Um filme
sisudo que parecia ter a única missão de encerrar o ciclo do elenco da trilogia
original (James Marsden, Halle Berry, Famke Janssen, Ian McKellen, Patrick
Stewart e cia), enquanto tentava sem sucesso corrigir os problemas cronológicos
da franquia. Nesse sentido, X-Men:
Apocalipse é uma obra melhor resolvida, apesar de imperfeita, ao conseguir
ser menos carrancuda e apostar em um clima que parece fundir fases importantes
das HQs dos mutantes.
O
roteiro, escrito por Simon Kinberg, leva a narrativa para 1983 (dez anos após Dias...) para mostrar a formação da
Segunda Classe dos X-Men de Charles Xavier (James McAvoy). Um grupo de jovens
formados por Scott Summers (Tye Sheridan), que se tornaria Ciclope, Jean Grey
(Sophie Turner), Noturno (Kodi Smith-McPhee) e Mercúrio (Evan Peters),
capitaneados pelos mais experientes Fera (Nicholas Hoult) e Mística
(transformada em líder da equipe graças à fama de Jennifer Lawrence), que
enfrenta Apocalipse (Oscar Isaac), um ser milenar absurdamente poderoso que se
considera Deus e acredita que o mundo deve ser purificado através da
destruição, sem diferenciar mutantes e humanos, basicamente separando os vivos
entre resistentes e fracos. (“apenas os fortes sobreviverão”, ele diz em um
momento). Para o fim do mundo, o vilão recruta seus 4 Cavaleiros: Tempestade
(Alexandra Shipp), Anjo (Ben Hardy), transformado em Arcanjo, Psylocke (Olivia
Munn) e um ainda mais traumatizado Magneto (Michael Fassbender, que novamente
acaba roubando a cena).
A
presença de Apocalipse já é um alívio em uma franquia que se acostumou a ter vilões
secundários pouco ameaçadores que sempre acabavam ofuscados por Magneto. Dessa
vez, a criatura composta por Oscar Isaac, com sua fala mansa e suas
demonstrações brutais de poder, representa um perigo real para a humanidade e
um desafio gigantesco para os adolescentes do Professor X, ainda descobrindo
toda a extensão de seus talentos. A idade dos protagonistas, aliás, desenvolve
um mote da aceitação que é marca registrada da equipe desde os gibis escritos
por Roy Thomas e desenhados por Neal Adams, nos anos 60. É comovente, por
exemplo, o choro de Scott ao sentir o desabrochar de seus poderes, uma imagem
que fica ainda mais forte se levarmos em consideração a idade de Scott (o jovem
chora no banheiro da escola). É a metáfora das minorias bem representada
novamente.
Um
outro acerto de X-Men: Apocalipse é
investir, mesmo que timidamente, na rotina dos alunos de Xavier. É interessante
ver os Scott, Jean, Noturno e Jubileu (Lana Condor) saindo do cinema após verem
O Retorno de Jedi (que gera uma
piada/mea culpa engraçadinha). É fan
service, herança da fase gloriosa de Chris Claremont e John Byrne à frente
dos quadrinhos da equipe (admito que fiquei triste em constatar o corte da cena
em que os garotos vão a uma loja de discos e Scott conversa com Jean enquanto segura
um disco da Cristal, outra personagem que remete diretamente aos tempos áureos
dos heróis nas páginas), mas funciona dentro da narrativa, ao transformar em
algo palpável o amadurecimento forçado dos protagonistas perante o perigo e a
necessidade de proteger um mundo que não sabe se os aceita ou os rejeita.
Infelizmente,
Apocalipse sofre com problemas
antigos da franquia. Um deles, grave, é a inabilidade do roteiro de trabalhar o
suficiente os dramas dos personagens apresentados. Talvez por se debruçar sobre
muitos heróis e vilões ao mesmo tempo, o texto apresenta arcos que se resolvem
com rapidez inexplicável. As transformações de Scott e Noturno, por exemplo, de
meninos atormentados a integrantes importantes dos X-Men, são mal encaixadas na
narrativa, surgindo repentinas e pouco críveis (Scott acaba sendo o ponto mais
problemático do desenvolvimento, por se convencer rapidamente a deixar o choro
de lado e vestir a carapuça de líder). Fica difícil levar tais dramas em conta,
principalmente se postos em perspectiva com as relações entre Xavier, Mística, Fera,
Magneto e Moira (Rose Byrne), tratados com paciência ao longo dos três últimos filmes
(ainda assim, é pouco crível a paixão e dedicação de Mística a Magneto, já que
o longa sugere que, em dez anos, os dois mutantes jamais se encontraram
novamente).
Outro
defeito grave da série é a linha temporal confusa, que Singer e seus parceiros
nunca conseguiram resolver. A cronologia inexplicável de X-Men e suas sequências jamais deixou de causar problemas na
compreensão do universo pelo espectador, pois gerou furos de roteiro difíceis
de se ignorar (o que houve com o homem em coma para quem Xavier transferiu sua
consciência no fim de O Confronto Final?
Quando reencontramos o personagem em Dias
de um Futuro Esquecido, nada parece ter acontecido). Dessa vez, tal
obstáculo é minimizado por ser uma aventura hermética (iniciada e encerrada em
si, com poucas pontas soltas), mas não completamente solucionado, pois a
aparição de William Stryker (como desculpa para homenagear Arma X, obra-prima das HQs de Wolverine) não se encaixa bem com a
Mística disfarçada de Stryker no longa anterior. Aliás, por falar em furos,
como é que Psylocke e Anjo, que eram mais jovens do que os protagonistas na
primeira trilogia, ficaram mais velhos dessa vez? Ao que parece, o futuro
reescrito pelos acontecimentos de Dias...
alterou também a ordem de concepção dos personagens.
São
problemas que abalam a suspensão da descrença e tiram o espectador do filme,
mas que são redimidos pelas qualidades de seu terceiro ato, que mostra os
heróis atuando como equipe de maneira eficiente. Bryan Singer é um bom arquiteto
de cenas de ação com um protagonista, vide a introdução de Noturno em X-Men 2 ou as demonstrações de poder de
Mercúrio por aqui, mas sempre falhou em estabelecer a mise-en-scène nas
sequencias envolvendo vários personagens. Felizmente, a batalha contra
Apocalipse e seus cavaleiros, dividida em momentos nos quais todos os
personagens podem mostrar a que vieram, funciona de maneira empolgante, e até
emociona quando, sob as bênçãos de Xavier, uma personagem é aconselhada a
liberar todo o seu poder. X-Men:
Apocalipse pode ainda não ser a adaptação que o leitores mais assíduos
esperam, mas aponta para um futuro bem animador. É esperar para ver.
X-Men: Apocalypse,
Bryan Singer, 2016
1 comment:
Eu gostei bastante do filme.
Acho q cena da Jean no final lindíssima. Fiquei toda arrepiada. rsrs
Grande texto!
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