Sunday, May 22, 2016

X-Men: Apocalipse

A franquia X-Men nunca foi unanimidade entre os fãs de quadrinhos. Adotando uma postura de que em mídias diferentes seguem-se caminhos diferentes, a série comandada desde o início por Bryan Singer (que foi produtor nas duas únicas aventuras que não dirigiu) fez concessões, adaptou livremente histórias famosas dos mutantes e causou a revolta de muitos aficionados, enquanto outros espectadores louvaram a coragem dos filmes de tentarem algo diferente para que os filmes de super-heróis funcionassem nas telas, em uma época em que as adaptações de HQs ainda engatinhavam e a Marvel Studios nem sonhava em existir. O resultado, se analisado friamente, é irregular: enquanto o mundo viu grandes filmes como X-Men 2 (2003) e X-Men: Primeira Classe (Matthew Vaughn, 2010), os desastres de X-Men: O Confronto Final (Brett ratner, 2006) e X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014) são grandes demais para serem ignorados.

E foi justamente o problemático Dias de um Futuro Esquecido que criou um clima de desconfiança no público. Um filme sisudo que parecia ter a única missão de encerrar o ciclo do elenco da trilogia original (James Marsden, Halle Berry, Famke Janssen, Ian McKellen, Patrick Stewart e cia), enquanto tentava sem sucesso corrigir os problemas cronológicos da franquia. Nesse sentido, X-Men: Apocalipse é uma obra melhor resolvida, apesar de imperfeita, ao conseguir ser menos carrancuda e apostar em um clima que parece fundir fases importantes das HQs dos mutantes.

O roteiro, escrito por Simon Kinberg, leva a narrativa para 1983 (dez anos após Dias...) para mostrar a formação da Segunda Classe dos X-Men de Charles Xavier (James McAvoy). Um grupo de jovens formados por Scott Summers (Tye Sheridan), que se tornaria Ciclope, Jean Grey (Sophie Turner), Noturno (Kodi Smith-McPhee) e Mercúrio (Evan Peters), capitaneados pelos mais experientes Fera (Nicholas Hoult) e Mística (transformada em líder da equipe graças à fama de Jennifer Lawrence), que enfrenta Apocalipse (Oscar Isaac), um ser milenar absurdamente poderoso que se considera Deus e acredita que o mundo deve ser purificado através da destruição, sem diferenciar mutantes e humanos, basicamente separando os vivos entre resistentes e fracos. (“apenas os fortes sobreviverão”, ele diz em um momento). Para o fim do mundo, o vilão recruta seus 4 Cavaleiros: Tempestade (Alexandra Shipp), Anjo (Ben Hardy), transformado em Arcanjo, Psylocke (Olivia Munn) e um ainda mais traumatizado Magneto (Michael Fassbender, que novamente acaba roubando a cena).

A presença de Apocalipse já é um alívio em uma franquia que se acostumou a ter vilões secundários pouco ameaçadores que sempre acabavam ofuscados por Magneto. Dessa vez, a criatura composta por Oscar Isaac, com sua fala mansa e suas demonstrações brutais de poder, representa um perigo real para a humanidade e um desafio gigantesco para os adolescentes do Professor X, ainda descobrindo toda a extensão de seus talentos. A idade dos protagonistas, aliás, desenvolve um mote da aceitação que é marca registrada da equipe desde os gibis escritos por Roy Thomas e desenhados por Neal Adams, nos anos 60. É comovente, por exemplo, o choro de Scott ao sentir o desabrochar de seus poderes, uma imagem que fica ainda mais forte se levarmos em consideração a idade de Scott (o jovem chora no banheiro da escola). É a metáfora das minorias bem representada novamente.

Um outro acerto de X-Men: Apocalipse é investir, mesmo que timidamente, na rotina dos alunos de Xavier. É interessante ver os Scott, Jean, Noturno e Jubileu (Lana Condor) saindo do cinema após verem O Retorno de Jedi (que gera uma piada/mea culpa engraçadinha). É fan service, herança da fase gloriosa de Chris Claremont e John Byrne à frente dos quadrinhos da equipe (admito que fiquei triste em constatar o corte da cena em que os garotos vão a uma loja de discos e Scott conversa com Jean enquanto segura um disco da Cristal, outra personagem que remete diretamente aos tempos áureos dos heróis nas páginas), mas funciona dentro da narrativa, ao transformar em algo palpável o amadurecimento forçado dos protagonistas perante o perigo e a necessidade de proteger um mundo que não sabe se os aceita ou os rejeita.

Infelizmente, Apocalipse sofre com problemas antigos da franquia. Um deles, grave, é a inabilidade do roteiro de trabalhar o suficiente os dramas dos personagens apresentados. Talvez por se debruçar sobre muitos heróis e vilões ao mesmo tempo, o texto apresenta arcos que se resolvem com rapidez inexplicável. As transformações de Scott e Noturno, por exemplo, de meninos atormentados a integrantes importantes dos X-Men, são mal encaixadas na narrativa, surgindo repentinas e pouco críveis (Scott acaba sendo o ponto mais problemático do desenvolvimento, por se convencer rapidamente a deixar o choro de lado e vestir a carapuça de líder). Fica difícil levar tais dramas em conta, principalmente se postos em perspectiva com as relações entre Xavier, Mística, Fera, Magneto e Moira (Rose Byrne), tratados com paciência ao longo dos três últimos filmes (ainda assim, é pouco crível a paixão e dedicação de Mística a Magneto, já que o longa sugere que, em dez anos, os dois mutantes jamais se encontraram novamente).

Outro defeito grave da série é a linha temporal confusa, que Singer e seus parceiros nunca conseguiram resolver. A cronologia inexplicável de X-Men e suas sequências jamais deixou de causar problemas na compreensão do universo pelo espectador, pois gerou furos de roteiro difíceis de se ignorar (o que houve com o homem em coma para quem Xavier transferiu sua consciência no fim de O Confronto Final? Quando reencontramos o personagem em Dias de um Futuro Esquecido, nada parece ter acontecido). Dessa vez, tal obstáculo é minimizado por ser uma aventura hermética (iniciada e encerrada em si, com poucas pontas soltas), mas não completamente solucionado, pois a aparição de William Stryker (como desculpa para homenagear Arma X, obra-prima das HQs de Wolverine) não se encaixa bem com a Mística disfarçada de Stryker no longa anterior. Aliás, por falar em furos, como é que Psylocke e Anjo, que eram mais jovens do que os protagonistas na primeira trilogia, ficaram mais velhos dessa vez? Ao que parece, o futuro reescrito pelos acontecimentos de Dias... alterou também a ordem de concepção dos personagens.

São problemas que abalam a suspensão da descrença e tiram o espectador do filme, mas que são redimidos pelas qualidades de seu terceiro ato, que mostra os heróis atuando como equipe de maneira eficiente. Bryan Singer é um bom arquiteto de cenas de ação com um protagonista, vide a introdução de Noturno em X-Men 2 ou as demonstrações de poder de Mercúrio por aqui, mas sempre falhou em estabelecer a mise-en-scène nas sequencias envolvendo vários personagens. Felizmente, a batalha contra Apocalipse e seus cavaleiros, dividida em momentos nos quais todos os personagens podem mostrar a que vieram, funciona de maneira empolgante, e até emociona quando, sob as bênçãos de Xavier, uma personagem é aconselhada a liberar todo o seu poder. X-Men: Apocalipse pode ainda não ser a adaptação que o leitores mais assíduos esperam, mas aponta para um futuro bem animador. É esperar para ver.

X-Men: Apocalypse, Bryan Singer, 2016 

1 comment:

Raquel Raposo said...

Eu gostei bastante do filme.
Acho q cena da Jean no final lindíssima. Fiquei toda arrepiada. rsrs
Grande texto!