Saturday, April 30, 2016

Capitão América: Guerra Civil

Apesar de não ser a criadora do cinema de ação divertido e escapista, a Marvel Studios pode ser considerada facilmente a responsável por reinventar a roda. Em tempos de blockbusters sombrios e da ação pé-no-chão influenciada por A Identidade Bourne (Liman, 2002), Batman Begins (Nolan, 2005) e suas respectivas sequências, foi a produtora, a partir de Homem de Ferro (Favreau, 2008) que resolveu mergulhar de cabeça em uma mistura que sempre deu certo, e que teve seu auge na década de 1980: um cinema que mistura ação e comédia na mesma proporção, mas que sempre adiciona um drama (por vezes, uma tragédia) para ser a liga que une os personagens e os move.

Capitão América: Guerra Civil, o novo esforço da Marvel a chegar aos cinemas, talvez não seja o melhor filme da Casa das Ideias, mas é um dos mais competentes ao equilibrar escapismo e gravidade. Enquanto desenvolve a profundidade da amizade entre Steve Rogers (Chris Evans) e Bucky Barnes (Serbastian Stan), esta é a continuação direta de Capitão América: O Soldado Invernal (2014), mas suas dimensões, o número de personagens e divergências entre os heróis sugerem que os eventos de Vingadores: Era de Ultron (Whedon, 2015) influenciaram, ainda mais do que o segundo filme do próprio Capitão, o desenrolar da trama do terceiro filme que leva o nome da Sentinela da Liberdade.

Novamente dirigida por Anthony e Joe Russo a partir de roteiro de Christopher Marcus e Stephen McFeely, a trama se desenrola a partir de uma missão dos Vingadores em Lagos. O combate com Ossos Cruzados (Frank Grillo) e seu bando acaba causando a morte de um grupo de Wakandanos que trabalhavam no local, e o incidente, aliado com a destruição de Nova York (Os Vingadores, 2012), Washington (O Soldado Invernal) e Sokovia (Era de Ultron), faz com que a ONU intervenha e crie um plano para que os heróis sejam registrados e lutem apenas quando convocados pelas Nações Unidas. Enquanto Tony Stark (Robert Downey Jr.) defende o registro, Steve se opõe veementemente à decisão. E quando uma reunião da ONU sofre um ataque a bomba que causa a morte de T’Chaka, rei de Wakanda, e Bucky se torna o principal suspeito, Capitão América terá também que encontrar e proteger seu amigo da vingança do Pantera Negra.

O mote da responsabilidade é o que move personagens e narrativa em Guerra Civil. A responsabilidade pelas mortes de civis nas missões dos heróis alimenta a velha rivalidade entre Homem de Ferro e Capitão América (que foi explorada com muita competência pela campanha de marketing do filme). A separação dos Vingadores se dá por questões ideológicas, e adquire proporções de confronto épico quando os liderados do Capitão (Falcão, Gavião Arqueiro, Feiticeira Escarlate e Homem-Formiga, vividos por Anthony Makie, Jeremy Renner, Elizabeth Olsen e Paul Rudd, além do já citado Soldado Invernal) passam a ser caçados pelo grupo de Stark (Viúva Negra, Máquina de Combate, Pantera Negra e Visão, encarnados por Scarlett Johansson, Don Cheadle, Chadwick Boseman e Paul Bettany), que por sua vez responde ao governo, na figura do General Ross (William Hurt), agora Secretário de Estado. A culpa por atitudes passadas também está presente na figura de Zemo, vilão personificado por Daniel Brühl (difícil entender os motivos que a Marvel encontrou para descaracterizar completamente Barão Zemo, um dos melhores vilões da galeria do Capitão América), que investiga acontecimentos vividos por Bucky em 1991, eventos que aproximam o Soldado Invernal ainda mais da disputa Stark/Rogers.

Com tantos personagens e tramas, é incrível como os irmãos Russo conseguem, com o auxílio do ótimo texto, ser econômicos na maneira em que Guerra Civil trabalha a narrativa. Até o inevitável combate (aí sim, grandiloquente como todo filme da Marvel sempre foi), a rivalidade entre as ideias defendidas por Tony e Steve se dão muito mais nas discussões e em como os traumas recentes das perdas de inocentes na Nigéria e em Sokovia ressoam nos personagens. Existe paciência também na apresentação de novos personagens do universo Marvel. T’Challa, herdeiro de Wakanda e dono do uniforme do Pantera Negra, possui arco próprio, enquanto a mais esperada das aparições, o Homem-Aranha (Tom Holland já pode ser considerado o melhor Peter Parker dos cinemas, para a alegria dos fãs), acaba envolvido na disputa entre os heróis e rouba a cena em seus poucos minutos de destaque, com seu falatório desenfreado e seu uniforme lindo, que presta claras homenagens a Steve Ditko, John Romita e Sal Buscema, os maiores desenhistas que o herói já teve.

Já é sabido, por fãs e espectadores, que fidelidade às páginas não é exatamente algo buscado pelos filmes do universo cinematográfico Marvel. O que parece ser a missão dos longas do estúdio é o respeito aos personagens e às personalidades, é o leitor ver nas telas seus ídolos tratados com dignidade. Não é diferente em Capitão América: Guerra Civil. Se O Soldado Invernal adaptava a maravilhosa fase de Ed Brubaker e Steve Epting à frente dos gibis do Capitão América para o contexto atual dos filmes do estúdio com uma embalagem de filme de espionagem, dessa vez são as páginas escritas por Mark Millar e desenhadas por Steve McNiven que servem como base para a adaptação. E, como já de praxe, os eventos dos quadrinhos são completamente modificados para se encaixarem no momento pós Era de Ultron e, claro, para se ajustarem aos personagens que a Marvel tem em suas mãos (a saga Guerra Civil envolveu todo o universo Marvel, inclusive personagens que hoje pertencem a outros estúdios, como o Quarteto Fantástico, por exemplo).

A comparação inevitável que se faz é com Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, que também se aproveitou de uma obra clássica das HQs (O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Klaus Janson) inserida em uma ambientação atual e propôs um quebra-pau entre os seus maiores heróis. Guerra Civil é muito melhor do que BvS por saber utilizar sua duração de maneira mais sábia. Mesmo sendo um pouco mais curto e contando com mais personagens, trata seus protagonistas com mais carinho, dando a todos o tempo em cena necessário para que sejam absorvidos pela narrativa e conseguindo fazer com que mesmo coadjuvantes como os sidekicks encarnados por Anthony Mackie e Don Cheadle sejam melhor desenvolvidos do que a subaproveitada Mulher-Maravilha no filme da DC/Warner.

Entendendo a gravidade do embate entre Homem de Ferro e Capitão América (que geram ótimos momentos, como a já clássica batalha no aeroporto), Capitão América: Guerra Civil promete que os próximos filmes precisarão arrumar a relação estremecida que abalou os Vingadores. Encerra a trama com competência e deixa situações engatilhadas para produções futuras (o inevitável romance entre Visão e Feiticeira Escarlate, por exemplo, será provavelmente desenvolvido em Vingadores: Guerra Infinita). Enquanto a DC Comics apenas engatinha em seu universo expandido nas telas, a Marvel dá mais um passo como a maior marca do cinema de ação atual, honrando seus personagens com um respeito pelos superseres criados desde os anos 40 pela editora. É isso, a fidelidade e o respeito, que fica como sensação no espectador quando os olhares sofridos dos envolvidos no combate denunciam a dor de lutar contra amigos. As aventuras da Marvel têm coração.

Captain America: Civil War, Anthony & Joe Russo, 2016 

1 comment:

Raquel Raposo said...

"É isso, a fidelidade e o respeito, que fica como sensação no espectador quando os olhares sofridos dos envolvidos no combate denunciam a dor de lutar contra amigos. As aventuras da Marvel têm coração."

Têm muito coração!

Amei o filme. Achei muito linda a carta que o Capitão mandou pro Stark no final. Eles são lindos demais!!
E não me cansa de expressar minha paixão pelo Pantera Negra! <3 Que uniforme maravilhoso!