Em
certo momento de Manchester à Beira-Mar,
um personagem justifica sua necessidade de se ausentar para outro que gostaria
de ter sua companhia com uma frase simples, mas que carrega um mundo de
significados: “Eu não consigo superar”. As palavras, ditas com voz engasgada e
olhos cheios de lágrimas, praticamente clamam por compaixão. E compaixão,
empatia, o ato de se pôr no lugar do outro, é o que pode fazer de um filme
sobre a perdas algo poderoso.
O
luto, ao contrário do amor (e do ódio, por que não), é um sentimento que não
funciona nas telas se idealizado. Se romantizado ao extremo ou estilizado,
corre-se o risco de diluir o peso das situações, ou de a dor dos personagens
não ser transmitida com eficiência para o público. É só comparar os floreios de
Direito de Amar (Tom Ford, 2009) e a
falta deles em Alabama Monroe (Felix
van Groeningen, 2012): enquanto o primeiro se perdia em arroubos estéticos que
enfraqueciam o resultado (apesar de gerarem momentos de beleza plástica
inegável), o segundo se beneficiava da secura do registro para abordar a
tristeza de seus protagonistas.
E
os personagens do longa escrito e dirigido por Kenneth Lonergan jamais soam
inverossímeis. Pelo contrário, choram, sorriem e conversam como pessoas comuns.
Isso é fundamental para que a dor de Lee Chandler (Casey Affleck), de volta à
pequena cidade de Manchester-by-the-Sea (ou simplesmente Manchester), no
condado de Essex em Massachusetts, para cuidar dos preparativos do funeral do
irmão, Joe (Kyle Chandler), seja percebida pelo espectador. Novamente vivendo a
rotina e o dia a dia da cidade e reencontrando rostos conhecidos – entre eles
George (C. J. Wilson), que era amigo próximo de seu irmão –, Lee descobre que foi
nomeado tutor do sobrinho, o jovem Patrick (Lucas Hedges), que vivia apenas com
Joe desde que sua mãe fora embora.
Enquanto
assistimos ao relacionamento forçado, ainda que dotado de afeto, entre tio e
sobrinho, flashbacks dão conta dos motivos que fizeram Lee se afastar de
Manchester em primeiro lugar, uma tragédia horrenda que marcou o local para
sempre. Dramaturgo que sempre foi, Lonergan consegue extrair o máximo de seus
personagens através de diálogos, geralmente tidos em voz baixa, mesmo nos já
citados flashbacks, sem apelar para gritos ou sensacionalismo. Novamente, a
intenção do diretor é sempre tratar seus personagens e seus traumas da maneira
mais realista.
Uma
decisão que valoriza a exposição de sentimentos, em momentos cruciais, que sempre
envolvem Lee. Três deles, especificamente, merecem destaque e desde já figuram
entre as grandes cenas da temporada. O primeiro, em uma delegacia, em que Lee
resolve que um revólver pode ser a paz que ele precisa. No segundo, ele precisa
consolar o sobrinho, um momento estranhamente belo entre frangos congelados
caídos de um freezer. E finalmente, uma conversa em uma esquina, já perto do
fim da projeção, que começa amistosa, mas ganha contornos catárticos.
São
sequências como essas da trama que provam o talento de seu diretor para conduzir
o elenco. Seu texto parte de situações triviais para encontrar uma forma de
investigar a melancolia de seus personagens (como nos dois relacionamentos
amorosos que Patrick passa a utilizar como bengala para viver com a dor de ter
perdido o pai, ou nas brigas que Lee arruma em dois bares, em momentos
diferentes da narrativa), e sem uma mão firme poderia naufragar em suas
próprias intenções, como no já citado Direito
de Amar, ou no recente Álbum de
Família (John Wells, 2013), que também narrava um contexto de reencontro
familiar que trazia memórias dolorosas. No entanto, nas mãos de Kenneth Lonergan,
Manchester à Beira-Mar atinge um
outro patamar.
Patamar
esse que seria impossível sem o auxílio do elenco fabuloso de que o cineasta
dispõe em seu terceiro longa-metragem. Lonergan lança mão de atores habilidosos
em papéis de coadjuvantes de luxo (Kyle Chandler como Joe, Michelle Williams
como Randi, ex-esposa de Lee) para conferir peso a todas as pontas de sua
história, e conta com o prodígio Lucas Hedges para dar vida a Patrick de
maneira convincente. Mas é de Casey Affleck toda a glória. Seu personagem é composto
de dor e memórias, em um luto e uma tristeza devastadores, que mal cabem em um
nome tão curto: Lee.
Manchester by the Sea,
Kenneth Lonergan, 2016 ½
3 comments:
Achei o filme incrível.
Fiquei com um nó na garganta boa parte dele.
filme excepcional. e apesar da historia ser profundamente triste, o filme jamais cai no melodrama
Preciso ver esta merda!!!
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