Thursday, January 26, 2017

Manchester à Beira-Mar

Em certo momento de Manchester à Beira-Mar, um personagem justifica sua necessidade de se ausentar para outro que gostaria de ter sua companhia com uma frase simples, mas que carrega um mundo de significados: “Eu não consigo superar”. As palavras, ditas com voz engasgada e olhos cheios de lágrimas, praticamente clamam por compaixão. E compaixão, empatia, o ato de se pôr no lugar do outro, é o que pode fazer de um filme sobre a perdas algo poderoso.

O luto, ao contrário do amor (e do ódio, por que não), é um sentimento que não funciona nas telas se idealizado. Se romantizado ao extremo ou estilizado, corre-se o risco de diluir o peso das situações, ou de a dor dos personagens não ser transmitida com eficiência para o público. É só comparar os floreios de Direito de Amar (Tom Ford, 2009) e a falta deles em Alabama Monroe (Felix van Groeningen, 2012): enquanto o primeiro se perdia em arroubos estéticos que enfraqueciam o resultado (apesar de gerarem momentos de beleza plástica inegável), o segundo se beneficiava da secura do registro para abordar a tristeza de seus protagonistas.

E os personagens do longa escrito e dirigido por Kenneth Lonergan jamais soam inverossímeis. Pelo contrário, choram, sorriem e conversam como pessoas comuns. Isso é fundamental para que a dor de Lee Chandler (Casey Affleck), de volta à pequena cidade de Manchester-by-the-Sea (ou simplesmente Manchester), no condado de Essex em Massachusetts, para cuidar dos preparativos do funeral do irmão, Joe (Kyle Chandler), seja percebida pelo espectador. Novamente vivendo a rotina e o dia a dia da cidade e reencontrando rostos conhecidos – entre eles George (C. J. Wilson), que era amigo próximo de seu irmão –, Lee descobre que foi nomeado tutor do sobrinho, o jovem Patrick (Lucas Hedges), que vivia apenas com Joe desde que sua mãe fora embora.

Enquanto assistimos ao relacionamento forçado, ainda que dotado de afeto, entre tio e sobrinho, flashbacks dão conta dos motivos que fizeram Lee se afastar de Manchester em primeiro lugar, uma tragédia horrenda que marcou o local para sempre. Dramaturgo que sempre foi, Lonergan consegue extrair o máximo de seus personagens através de diálogos, geralmente tidos em voz baixa, mesmo nos já citados flashbacks, sem apelar para gritos ou sensacionalismo. Novamente, a intenção do diretor é sempre tratar seus personagens e seus traumas da maneira mais realista.

Uma decisão que valoriza a exposição de sentimentos, em momentos cruciais, que sempre envolvem Lee. Três deles, especificamente, merecem destaque e desde já figuram entre as grandes cenas da temporada. O primeiro, em uma delegacia, em que Lee resolve que um revólver pode ser a paz que ele precisa. No segundo, ele precisa consolar o sobrinho, um momento estranhamente belo entre frangos congelados caídos de um freezer. E finalmente, uma conversa em uma esquina, já perto do fim da projeção, que começa amistosa, mas ganha contornos catárticos.

São sequências como essas da trama que provam o talento de seu diretor para conduzir o elenco. Seu texto parte de situações triviais para encontrar uma forma de investigar a melancolia de seus personagens (como nos dois relacionamentos amorosos que Patrick passa a utilizar como bengala para viver com a dor de ter perdido o pai, ou nas brigas que Lee arruma em dois bares, em momentos diferentes da narrativa), e sem uma mão firme poderia naufragar em suas próprias intenções, como no já citado Direito de Amar, ou no recente Álbum de Família (John Wells, 2013), que também narrava um contexto de reencontro familiar que trazia memórias dolorosas. No entanto, nas mãos de Kenneth Lonergan, Manchester à Beira-Mar atinge um outro patamar.

Patamar esse que seria impossível sem o auxílio do elenco fabuloso de que o cineasta dispõe em seu terceiro longa-metragem. Lonergan lança mão de atores habilidosos em papéis de coadjuvantes de luxo (Kyle Chandler como Joe, Michelle Williams como Randi, ex-esposa de Lee) para conferir peso a todas as pontas de sua história, e conta com o prodígio Lucas Hedges para dar vida a Patrick de maneira convincente. Mas é de Casey Affleck toda a glória. Seu personagem é composto de dor e memórias, em um luto e uma tristeza devastadores, que mal cabem em um nome tão curto: Lee.

Manchester by the Sea, Kenneth Lonergan, 2016 ½

3 comments:

Raquel Raposo said...

Achei o filme incrível.
Fiquei com um nó na garganta boa parte dele.

joão said...

filme excepcional. e apesar da historia ser profundamente triste, o filme jamais cai no melodrama

Luiz Alexandre said...

Preciso ver esta merda!!!