Assistir
à filmografia de Lav Diaz é tarefa das mais árduas, mas não por ele utilizar símbolos muito complexos, ou uma linguagem extremamente arrojada para contar
suas histórias. O filipino não é um cineasta cujos filmes geram interpretações
muito díspares. O grande desafio do cineasta para seu espectador é a duração de suas obras, que chegam a passar das 8 horas (Kagadanan Sa Banwaan Ning Mga Engkanto, de 2007, foi lançado com um
corte de 9 horas). Ao público, resta controlar as distrações e conseguir o foco
necessário para embarcar nas tramas abordadas pelo diretor.
O
que facilita as coisas para quem se aventura por algum de seus trabalhos é a
percepção de que as muitas horas que cada uma de suas obras possui não são
gordura, nem “estilo por estilo”, e muito menos um propósito de peneirar seus
apreciadores. São um meio, uma ferramenta para que funcione da melhor forma o
método de contar histórias do cineasta, que gosta de se debruçar sobre o
cotidiano, sobre o dia-a-dia de seus personagens, para aos poucos revelar
motivações, comportamentos, relações. E no hábito de abraçar o rotineiro, Lav
Diaz faz filmes sobre permanecer.
Em
A Mulher Que Se Foi, Diaz (que se
divide nas funções de diretor, roteirista, montador e diretor de fotografia)
adapta o conto “Deus vê a verdade, mas custa a revelar”, de Leon Tolstói. A
trama acompanha Horacia (Charo Santos, em composição impressionante), que foi
condenada a 30 anos de prisão por um assassinato que não cometeu. Ao ser solta,
ela precisa se reconectar com a família (sua filha Minerva, vivida por Marjorie
Lorico, tem agora 37 anos; Horacia também possui um filho, que está
desaparecido), se despedir de entes que morreram nas três décadas em que esteve
isolada do mundo, e planejar sua vingança contra o responsável por
incriminá-la.
Enquanto
investiga e caça Rodrigo Trinidad (Michael de Mesa), o ricaço que armou sua
prisão, ela acaba cruzando com personagens que se tornam seus amigos. A mendiga
Mameng (Jean Judith Javier), um vendedor (Nonie Buencamino) e, principalmente,
a travesti Hollanda (o sensacional John Lloyd Cruz) são ajudados de maneiras
diferentes por Horacia, que se compraz e tenta resolver as injustiças sociais e
econômicas sofridas por aquelas pessoas. A protagonista foi presa durante a
ditadura de Ferdinando Marcos e libertada apenas no governo de Fidel Valdez Ramos,
e por isso a alegoria é evidente: Horacia é
as Filipinas e os tipos marginais que ela encontra, além de seu próprio
encarceramento, são microcosmos do abismo socioeconômico vivido pela nação
filipina há tanto tempo.
É
clara a intenção de Lav Diaz de fazer muitas coisas ao mesmo tempo com seu
longa-metragem. A Mulher Que Se Foi
consegue, em suas quase 4 horas, ser estudo de personagem, filme de vingança e
cinema político, sem se tornar enfadonho. O diretor possui uma visão apurada
para captar os afazeres diários de cada um e, quase como um documentarista,
revisita seus personagens dia após dia, noite após noite, enquanto todos eles,
tanto Horacia quanto seus coadjuvantes (inclusive Rodrigo, cujo hábito de ir à
igreja e sua amizade com o padre local o torna um personagem mais profundo do
que aparenta), vivem suas vidas.
É
essa prática de revisitar aquele universo diariamente que faz com que A Mulher Que Se Foi seja um filme que
não dá impressão de ter sequer uma cena que seja dispensável. Cada
enquadramento, cada diálogo, cada sombra que a fotografia – lindíssima, por
sinal – lança sobre aquelas pessoas parece essencial para o conto de vingança e
retrato de desigualdades que o cineasta, em seu décimo-sétimo longa de ficção
(boa parte de sua filmografia permanece inédita nos cinemas brasileiros),
resolve observar. Detratores podem até reclamar do tédio que é assistir a
filmes políticos tão longos, ou até de seus planos-sequência que registram
apenas pessoas existindo, mas foi apoiado nessa paciência que Lav Diaz passou a
ser considerado um cronista de seu país.
Ang babaeng humayo,
Lav Diaz, 2016 ½
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