Ao
longo de quatro anos, em apenas três filmes, a DC Comics viu sua nova investida
cinematográfica surgir e falhar de maneira categórica. O Homem de Aço (2013) e Batman
vs. Superman: A Origem da Justiça (2016), ambos de Zack Snyder, não
obtiveram sucesso na função que tinham de estabelecer um tom mais sombrio,
menos inocente, para que o universo surgido a partir deles fosse diferente, em
estilo e personalidade, daquele explorado pela Marvel, gigante dos quadrinhos
que tem obtido muito mais êxito nas telas. E Esquadrão Suicida (David Ayer, 2016) acabou se tornando uma das
piores adaptações de quadrinhos de todos os tempos, incapaz de contar uma
história que entendesse seus personagens ou o propósito daquela equipe.
A
decisão tomada pela DC, logicamente, foi dar um passo atrás, analisar os erros
até ali, e controlar um pouco a ambição de já nascer gigante. E o longa da Mulher-Maravilha,
primeira heroína da editora a chegar aos cinemas após os fracassos recentes,
reflete bem o momento. Uma obra menor, mais contida, e que se preocupa mais com
contar uma história que funcione por si só do que conectar sua protagonista com
outros filmes e heróis. A trama, escrita por Allan Heinberg e dirigida por
Patty Jenkins, aborda a juventude da princesa Diana (Gal Gadot) e seus
primeiros desafios como a amazona que foi treinada desde criança pela tia,
Antíope (Robin Wright), na mítica cidade de Themyscira.
Apesar
de se tratar também de uma história de origem, as diferenças entre este filme e
O Homem de Aço e Esquadrão Suicida, que também contavam
os primeiros desafios de seus protagonistas, são gritantes, principalmente no
que diz respeito ao tom da aventura. Mulher-Maravilha
é um longa que, em sua primeira metade, aposta em cores quentes e cenários
(cortesia do design de produção de Aline Bonetto) que em nada lembram o
pessimismo ou o peso que se abatiam sobre os outros longas da franquia.
Themyscira
é retratada em um tom leve que chega a ser surpreendente para o espectador,
acostumado com as sombras de antes. Uma ilha habitada apenas por mulheres,
governada pela rainha Hipólita (Connie Nielsen), e onde Diana vive e treina
durante sua juventude. É apenas após o militar inglês Steve Trevor (Chris Pine)
cair de avião no local que a princesa se lança em uma jornada por uma Europa
destroçada pela Grande Guerra. Diana acredita que os conflitos que se abatem
sobre o continente são obra de Ares, o deus grego da guerra, que estaria agindo
através do general Luddendorf (Danny Huston) e parte em sua caça.
Diferente
de Batman vs. Superman, que jogava
citações aos quadrinhos sem nenhum critério, chegando ao ponto de apresentar o
conceito da Liga da Justiça sem que isso tivesse a mínima conexão com a trama, Mulher-Maravilha é um longa que trata
melhor suas referências, mais sóbrias, sem homenagens a outros heróis, vilões e
histórias que não girem em torno da Princesa Amazona. O longa passeia por diferentes
faces da personagem, de menções aos gibis, algumas óbvias (a estética dos seus
dois primeiros atos, que lembram muito o traço de George Pérez, responsável por
uma das melhores fases da heroína nos quadrinhos, nos anos 80) e outras belas
(a importância histórica da personagem no fortalecimento do feminismo na metade
do século XX).
Este
é um filme de narrativa simples e que percorre com clareza a jornada, não só da
personagem (de jovem ávida pela chance de guerrear a pacifista convicta) como do
herói clássico. Vemos Diana se interessar pela batalha ainda nova, ser
treinada, descobrir que possui poderes que ainda não lhe foram explicados e
partir para a primeira missão de sua vida. A transição, após seu primeiro
contato com os homens – primeiro Trevor, e depois o batalhão de alemães que vão
ao seu encalço – é feita de maneira elegante, em uma viagem de barco durante
uma noite que parece continuar nos dias cinzentos da Londres em guerra. A
partir daí, a despeito de alguns momentos inspirados (o figurino civil que Gal
Gadot veste, que a deixa parecida com Lynda Carter), o longa perde força por se
render demais ao que é mais convencional, inclusive cometendo erros comuns dos
filmes do gênero.
Um
dos grandes percalços do texto de Heinberg é não conseguir criar coadjuvantes
que surjam interessantes para o espectador. Os traumas dos amigos de Steve
Trevor, que formam com ele uma equipe para auxiliar Diana, jamais ganham
substância. O passado e os eventos que levaram Chief (Eugene Brave Rock),
Charlie (Ewen Bremmer) e Sameer (Saïd Taghmaoui) até aquele momento ficam
sempre no campo da superficialidade e seus talentos nunca afloram, como se eles
não servissem para qualquer coisa que não fosse conversar em volta de uma
fogueira, servir cerveja e tocar violão, entre outras trivialidades.
Outro
problema que vem se tornando clichê nas adaptações de hqs é a falta de bons
vilões. Mulher-Maravilha é um filme
que não foge à regra, subaproveitando a Doutora Veneno
(Elena Anaya), reduzida a capanga, e transformando o esperado encontro da heroína
com Ares (após uma revelação que chega a ser risível de tão óbvia) numa luta
exagerada, cheia de efeitos especiais e demonstrações de poder (ainda que menos
destrutiva do que o criticado embate final de O Homem de Aço), uma luta que aproxima o filme dos longas anteriores
deste universo e trai o que havia acontecido até ali (muita qualidade de design
e efeitos, menos pretensão), no clímax mais decepcionante da temporada.
De
qualquer maneira, Mulher-Maravilha é
um respiro da DC nas telas. Um longa que funciona mais do que seus
antecessores, e é hermético, podendo ser assistido e apreciado sem prévio
contato com as outras adaptações da editora para os cinemas. Possui várias
qualidades, como cenas de ação bem dirigidas por Patty Jenkins (a invasão dos
soldados à ilha é um primor) e um humor que funciona, principalmente no choque
cultural da protagonista em seu primeiro contato com o mundo longe de casa e as
pontas de Lucy Davis como Etta, secretária de Steve. Infelizmente, em seu
terceiro ato desastroso, quase põe tudo a perder ao se render à megalomania e
ao lugar-comum. Que em suas próximas aparições, a princesa de Themyscira
encontre roteiros que sejam menos medrosos, e que encarem os clichês como Diana
enfrenta um mundo dominado por homens.
Wonder
Woman, Patty Jenkins, 2017
1 comment:
È um bom filme.
E também achei exagero a luta final.
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