Alguns filmes deixam a impressão de que
não poderiam ter sido dirigidos por outra pessoa, independente do talento. São
obras pessoais, no sentido de transbordarem personalidade, mas também por
ecoarem uma vivência de fatos, como se o ponto de vista que o filme apresenta
não pudesse pertencer a qualquer um. Alguns casos, como O Pianista (2002), são explícitos, refletindo a experiência
horrorosa de Polanski no gueto de Varsóvia e servindo como expurgo. Outros,
mais sutis, como os longas de Laís Bodansky, não são sobre fatos específicos,
mas sobre uma visão de mundo, que questiona a função de cada um na estrutura
social em que vivemos.
Como
Nossos Pais, seu longa-metragem mais recente, é
recheado de individualidade. É impossível não notar o quão particular para
Bodansky (e Luiz Bolognesi, seu roteirista, marido e habitual colaborador) é a
história de Rosa (Maria Ribeiro). Mãe de duas filhas com Dado (Paulo Vilhena),
com quem vive um casamento em crise, ela recebe uma revelação da mãe, Clarice
(Clarisse Abujamra), que a coloca na posição de questionar não só seu papel na
sua casa (que é sustentada basicamente por ela, enquanto Dado viaja para
proteger tribos indígenas na Amazônia), mas também como mulher no mundo em que
vive.
Uma sociedade patriarcal que está
enraizada e cristalizou como normal na cabeça de muitas pessoas. Clarice passa
o tempo todo defendendo Dado e acusando Rosa de ser injusta com ele, por
exemplo, sem saber – ou simplesmente ignorando – o fato de que ele é ausente
como pai e como marido, fazendo sempre o papel do brincalhão, enquanto é a
esposa que cuida das crianças e da manutenção do lar. O texto vai mostrando a
rotina de Rosa após tal revelação e como lentamente a sua natureza
confrontadora ganha novos contornos, enquanto ela decide rever sua vida.
A trajetória da protagonista é tocante e
palpável na tela graças à performance impressionante de Maria Ribeiro, com uma
personagem do tamanho do seu talento. Sua composição é gigantesca, desde os
trejeitos ao modo como olha cheia de afeto para suas filhas e como encara Dado
e Clarice com um misto de decepção e esperança, tentando se convencer de que
eles ainda podem reconhecer os erros que cometeram com ela. Maria é uma atriz
muitas vezes relegada à condição de coadjuvante, mas que justifica o
protagonismo ao apresentar uma vitalidade impressionante. Mesmo nos momentos em
que escapa da espiral de tribulações trazidas por sua mãe e seu marido, como
nas interações com Homero (Jorge Mautner), e o flerte com Pedro (Felipe Rocha),
é impossível não perceber, na voz e nas expressões da atriz, que a personagem
se preocupa com o que vai encontrar ao voltar para casa.
Laís Bodansky, em uma filmografia curta,
mas eficiente, realiza seu melhor trabalho aqui, justamente no filme que, em
linhas gerais, mais tenha traços de folhetim. Da revelação feita por Clarice à
forma com que a narrativa toca em muitos pontos de discussão individual (como
fidelidade e sucesso profissional), passando pela curta participação de Herson
Capri como um político, Como Nossos Pais
transpira simplismo. Um cineasta menos habilidoso não conseguiria fazer seus
100 minutos soarem como mais do que um novelão dos mais baratos. Mas é aí que entra a
sensibilidade e o engajamento da diretora que, através do modo como filma sua
protagonista, embala discussões aparentemente rasas em um contexto do papel da
mulher em tempos atuais, em que muitas vezes ela precisa ser valente, para
quebrar tabus e participar de maneira mais igualitária de questões que antes
eram divididas por gênero.
Rosa é um constante paradoxo porque se
comporta como uma pessoa real. Fala o que pensa, luta por seus direitos como
mãe, filha e esposa, mas (como todos nós) desmonta sua força quando é
surpreendida por questões que fogem ao seu controle. Como uma situação limite, ainda
mais dramática do que a revelação do primeiro ato, que acaba modificando novamente
as configurações e os relacionamentos que ela mantém com as pessoas que ama e
que trazem a ela lembranças tão doloridas. Chega para ela, assim como chegaria
para nós também, a vez de uma nova epifania. É tempo de recomeçar.
Como
Nossos Pais, Laís Bodansky, 2017
1 comment:
Na sociedade patriarcal a mae de Rosa defendo o filho e o genro ignorando o quanto as mulheres da relação "sofrem" com seus maridos.
spoiler
Como assim estamos mal? a gente transou feito adolescente há 2 dias.
Pra ele ta otimo se tiver tendo sexo e como ela bem disse: pra sentir tesão em você a noite, você presica ser meu companheiro durante o dia.
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