Friday, February 21, 2014

Trapaça

Desde Reds, de 1981, um filme não emplacava indicações nas quatro categorias de atuação no Oscar. David O. Russell foi o responsável pela quebra do tabu com o bom (mas superestimado) O Lado Bom da Vida, em 2012. Não satisfeito, no ano seguinte, repetiu o feito com Trapaça, uma experiência irregular que ganha cores mais vivas justamente em função do seu elenco, que se entrega de maneira formidável ao bem-humorado conto policial do cineasta, em sua tentativa de emular Scorsese.

De fato, se existe algo que salta aos olhos durante os 138 minutos de projeção do longa é o talento de seu diretor na condução do elenco. Russell já havia dado provas de sua competência como diretor de atores em O Vencedor, além do próprio O Lado Bom da Vida, e agora parece celebrar o sucesso de seus últimos dois trabalhos ao escalar para o elenco de Trapaça um amálgama dos cast de seus dois trabalhos anteriores.

Não que isso represente um problema: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (além da inspiradíssima, apesar de rápida, aparição de Robert De Niro) são os maiores atrativos da narrativa inspirada em fatos ambientada em 1978 (e a recriação de época é um dos pontos mais deliciosos da produção) que acompanha o golpista Irving Rosenfeld (Bale) que, ao lado de sua parceira Sydney (Adams), acabou sendo forçado a cooperar com o impulsivo agente federal Ritchie DiMaso em uma operação que visava prender estelionatários mas que, aos poucos, passa a investigar políticos e mafiosos, usando Carmine Polito (Jeremy Renner), o boa-praça prefeito de New Jersey, como principal isca.

Uma pena que o roteiro, escrito por Eric Warren Singer e reescrito por Russell, não dê conta de todo interesse que a trama pode gerar no espectador, preferindo se desenrolar como uma versão pálida de Os Bons Companheiros. A direção de Russell também não faz o menor esforço para se distanciar daquela que é uma das maiores obras-primas dos anos 90 investindo, inclusive, em planos que remontam à maneira de Martin Scorsese de filmar, como na câmera que acompanha os atores enquanto os créditos iniciais aparecem na tela, ou o significativo plano no qual dois personagens olham para dentro do porta-malas de um carro (no contra-plongé, claro).

A linguagem de Russell, no entanto, é mais acelerada do que a utilizada por Scorsese em Os Bons Companheiros. Trapaça não quer perder tempo: passa como uma flecha pela introdução dos personagens, supondo que o espectador passará a se importar com eles no decorrer da trama (por exemplo, o flashback que conta a ocupação do pai de Irving dura segundos; a transição de volta para o presente, pelo menos, é bastante inspirada), concentrando-se pouco nos golpes de Irving e Sydney, e correndo direto para a ação, ou seja, a interação dos dois com DiMaso que, justamente por ser apressada em cena, não passa do nível da superficialidade.

Aliás, ser superficial era um problema que já afligia longas anteriores de David O. Russell, como o já citado O Lado Bom da Vida. Lá, como aqui, o elenco afiado e o talento do cineasta em exibir a história que precisa contar em uma embalagem super pop disfarçava o quão raso ele ia para desenvolver sua trama. Assim como Irving (que penteia o cabelo pro lado a fim de esconder a careca), Sydney (que diz ser uma lady inglesa) e Richie (que se acha o James Bond, mas que na verdade ainda mora com a mãe), Trapaça finge ser algo que não é. Talvez fosse mais interessante se fosse mais honesto.

American Hustle, David O. Russell, 2013 

3 comments:

joão said...

otimo texto. porém gostei muito do filme

Raquel Raposo said...

Hoje eu acho o filme melhor do que quando vi.
Na época, achei meio arrastado.
Ótimo texto.

Homemtriste said...

Um filme sobre fidelidade...