Monday, October 27, 2014

O Juiz

O Juiz é um projeto cujas virtudes não condizem com suas ambições. Mescla de subgêneros classicamente acadêmicos (filme de volta para casa, filme de acerto de contas em família e filme de tribunal), o longa parece buscar destaque através da emoção, mas, a não ser pelas intensas atuações de Robert Downey Jr. E Robert Duvall, jamais consegue o efeito desejado, devido a um roteiro extremamente previsível e à frieza mecânica da direção de David Dobkin, que resolveu mergulhar no drama e tentar voos acadêmicos após uma irregular carreira na comédia.

A trama, escrita por Nick Schenk e Bill Dubuque acompanha o advogado Hank Palmer (Downey Jr.), que volta à sua cidade natal, a pequena Carlinville, para o enterro de sua mãe. O retorno, após 20 anos, o coloca em contato novamente com seu pai, o juiz Joseph Palmer (Duvall), com quem mantém péssima relação, com seus irmãos e com Sam (Vera Farmiga), sua antiga namorada.

O texto se desenrola bem nos primeiros minutos, principalmente por pintar exclusivamente a melancolia familiar dos Palmer. Schenk, responsável por escrever Gran Torino (obra-prima de Clint Eastwood sobre laços familiares), e Dubuque demonstram habilidade na apresentação dos personagens (e a primeira aparição de Hank, no banheiro do tribunal, é digna de nota, por utilizar o ambiente como metáfora para o modo como o protagonista se comporta em sua profissão), que encontra ecos na forma como Dobkin enquadra seus personagens (destaque para as sombras que conferem grandiosidade e honradez a Joseph enquanto julga um caso, sendo assistido pelo filho).

A partir de certo ponto, um novo detalhe se une ao já recheado universo de problemas de Hank (que além de todas as mágoas do passado, também está em processo de divórcio). Um rapaz é atropelado e, sem receber socorro, morre. O sangue dele é encontrado no para-choque do carro do juiz Palmer, que simplesmente não se lembra do que aconteceu na noite do acidente. Não admite ter feito, mas não pode negar a responsabilidade.

E é aí que O Juiz não consegue atingir o equilíbrio para resolver de maneira satisfatória o filme de família e o filme de tribunal. Enquanto funciona relativamente bem como o primeiro, inclusive quando investe na proximidade entre Hank e sua filha (a lindinha Emma Tremblay) e na tensão entre o protagonista e Sam, soa comum e artificial no segundo (apesar dos esforços de Downey Jr. e Billy Bob Thornton, como advogados rivais, para conferirem peso às cenas de julgamento). Fica a impressão de dois filmes sem conexão. Os detalhes que amarram as duas linhas narrativas são até interessantes (a questão pessoal que explica o esquecimento de Joseph é melodramática na medida certa), mas com exceção de momentos pontuais (como o movimento de câmera de Dobkin, o mais elegante de toda a projeção, na sequência em que Hank conversa com um médico acerca do estado de seu pai; inicialmente falando como advogado, ele logo passa ao papel de filho quando avista o juiz, aparentemente indefeso, brincando com a neta), não passa do terreno da superficialidade.

Os alívios cômicos, que deveriam refrear o melodrama e estabelecer um tom menos histérico, também não surtem efeito, e por soarem deslocados, sempre acabam conspirando contra a eficiência de alguns momentos que seriam vencedores se o drama tivesse se mantido. Faltou uma direção que entendesse melhor os timings da narrativa. David Dobkin acertou pouquíssimas vezes na carreira (Penetras Bons de Bico parece uma ilha de qualidade perto de erros gigantescos como Bater ou Correr em Londres, Titio Noel e Eu Queria Ter a Sua Vida), e aqui ele desliza por não entender o material que tem nas mãos.

A sensação é que o longa se sairia melhor com um diretor que conferisse peso ao drama e com um texto que se desenrolasse de forma mais consciente, encarando os lugares-comuns como percalços necessários, em vez de se comportar como se o espectador estivesse presenciando aqueles eventos pela primeira vez na vida. Compreender que esta é uma obra que chega no rastro de um gênero cuja tradição remonta a mais de 50 anos de longas-metragens faria com que O Juiz ao menos se encerrasse de forma mais digna.

The Judge, David Dobkin, 2014 

2 comments:

joão said...

achei longo demais pra uma trama curta

E downer jr parece está interpretando o msmo personagem em tudo que fez recentemente. Otimo, mas ainda assim o mesmo

Piculo said...

Confesso que fiquei envolvido com o filme, não sei se por causa da relação conturbada com o pai (com a qual me identifico), não sei se pela questão do ambiente jurídico (e por estar envolvido com isso profissionalmente), mas eu gostei.