Existem, talvez propositalmente, dois
filmes dentro de Atômica. Um é o
filme de ação rápido, montado de maneira frenética e com sequências de luta
empolgantes, e o outro é o filme de espionagem clássico, de personagens que
delegam e executam os trabalhos mais secretos – e frequentemente sujos – em busca
da manutenção do status quo, movimentados por eternos MacGuffins. A questão é
que essas duas linhas jamais se complementam, e o filme de David Leitch (em seu
segundo longa-metragem como diretor) acaba se tornando uma experiência até
interessante, mas problemática, com ideias que se confrontam e um retrato problemático
que a narrativa faz da sua protagonista.
A trama escrita por Kurt Johnstad é
ambientada em 1989, nos últimos dias antes da queda do Muro de Berlim, e acompanha
Lorraine Broughton (Charlize Theron), agente secreta do MI-6 que viaja à
capital alemã para uma missão que consiste em investigar a morte de um colega e
recuperar uma lista de agentes duplos. Em terras germânicas, Broughton teria a
ajuda de David Percival (James MacAvoy), também agente inglês e que, por estar
infiltrado há mais tempo, conhece melhor a cidade e seu submundo. Não demora
muito até que Lorraine perceba que a KGB conhece sua missão e está disposta a
arruiná-la.
Atômica
possui duas linhas temporais. Toda a missão é narrada por Lorraine tempos
depois, quando interrogada por dois agentes, um inglês (Toby Jones) e um americano
(John Goodman). É uma estrutura que funciona da mesma forma que o material que
é adaptado aqui, a graphic novel The
Coldest City, escrita por Antony Johnston e desenhada pelo brasileiro Sam
Hart. Além disso, é nessa narrativa dupla que o longa apresenta duas faces
diferentes, sendo parte história de espionagem à la John Le Carré e parte filme
de ação, terreno mais conhecido do diretor David Leitch, ex-dublê que estreou
na direção com o ótimo De Volta ao Jogo
(John Wick, 2014).
Provavelmente é por isso que o longa se
realiza na plenitude apenas enquanto filme de pancadaria. As mudanças do
roteiro em relação ao texto original, no que tange personagens e relações (as
pessoas que cruzam o caminho de Lorraine são consideravelmente mais jovens e
violentas do que nos quadrinhos, por exemplo), acontecem para que a
protagonista precise sair no braço com muitos homens para concluir sua missão.
Leitch é habilidoso ao conduzir as cenas de ação, abusando de planos-sequência
– um deles, um embate que começa em um prédio e termina em uma perseguição de
carros, é memorável – para estabelecer a mise-en-scène.
A ambientação é uma realidade aumentada da
incerteza que pairava sobre Berlim no fim da década de 1980. Desde os primeiros
letreiros em cores berrantes que situam o espectador, Leitch e Johnstad criam
um universo apenas inspirado na realidade, em que qualquer indivíduo que passa
pela tela é um potencial espião. Nesse ponto, o longa se assemelha a John Wick – Um Novo Dia Para Matar
(Chad Stahelski, 2017), no qual todo cidadão é também um potencial assassino,
colocando o protagonista em estado de constante tensão.
A fim de dar vida a esse universo, o texto
se afasta muito da graphic novel em matéria de ritmo. Apesar de o
interrogatório ter um ar que ecoa o texto original de Antony Johnston, todo o
resto se desenvolve de maneira quase frenética, da forma que Broughton conhece
alguém e descobre rapidamente que essa pessoa é um agente duplo. Assim,
valorizando a ação em uma narrativa mais veloz, Atômica se aproxima de Kick-Ass
(2010) e Kingsman – Serviço Secreto
(2014), quadrinhos escritos por Mark Millar cujas adaptações para o cinema
foram dirigidas por Matthew Vaughn.
Infelizmente, esse ritmo diferente nas
duas linhas temporais compromete o resultado. A trama sempre se torna enfadonha
quando o flashback é interrompido para enfocar a protagonista respondendo às
perguntas de seus superiores, o que se torna um percalço ainda maior devido à
quantidade excessiva desses momentos, e de como eles são montados de forma a
acontecerem por vezes logo após sequências de ação. São quebras de andamento
que fazem o filme correr riscos constantes de perder a atenção de seu
espectador, além de esticarem a duração de um longa que funcionaria muito
melhor com 10 minutos a menos.
Outro problema grave, o maior deles, está
no desenvolvimento da personagem principal. Atômica possui uma protagonista claramente forte. É um filme
determinado a pintar sua heroína como uma personagem poderosa, e encontra em
Charlize Theron a intérprete perfeita para isso, mas jamais consegue fugir da
armadilha de reduzi-la à objetificação. É claro o esforço de Leitch e Johnston
para promoverem as capacidades de Lorraine, mas constantemente o máximo que
eles conseguem é um empoderamento fetichizado, não só no retrato do
relacionamento da personagem com a agente francesa vivida por Sofia Boutella,
mas como o corpo de Theron é filmado o tempo todo de maneira sexualizada.
A erotização das personagens femininas faz
com que o longa em alguns momentos lembre Sucker
Punch: Mundo Surreal (Zack Snyder, 2011), enquanto peça que trata a figura
feminina como alimento para fantasias masculinas, e prejudica seriamente uma
obra que, mais na ação do que no desenvolvimento de sua trama, é até eficiente.
Talvez com uma mulher na direção, Atômica
poderia se encerrar como um passatempo irresistível (Mulher-Maravilha, de Patty Jenkins, é o exemplo mais claro em 2017). Do jeito que ficou, é uma
experiência das mais decepcionantes da temporada.
Atomic
Blonde, David Leitch, 2017
2 comments:
As cenas de ação são muito boas mesmo e a Charlize Theron ficou mara no papel da Lorraine.
Ótimo texto!
Excelente texto
As cenas de ação sao otimas.
Ja o filme, achei um saco.
"Vamos botar theron quase nua falando sussurrando e transando com outra mulher". Isso vai agradar aos homens pelo menos
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